Fonte https://www.huffpostbrasil.com/entry/como-ser-amigo-de-trump_br_5d8fb033e4b0e9e7604dc36c
As declarações do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no agora infame telefonema com Donald Trump não receberam tanta atenção quanto as tentativas descaradas do americano de induzir o colega a obter informações que prejudicassem Joe Biden, rival de Trump do Partido Democrata.
Tradicionalmente, chefes de Estado pedem ajuda à Casa Branca indicando que seus países merecem a amizade dos Estados Unidos por motivos históricos, valores alinhados ou interesses estratégicos. Mas, como Zelensky, líderes do mundo todo sabem que a principal preocupação da pessoa mais poderosa do mundo não são interesses nacionais, mas sim o ego.
Zelensky, estreante na política, foi muito hábil ao abordar Trump, usando um roteiro cuja eficácia já foi comprovada por diversos outros líderes. Eis a estratégia.
Diga que ele é um gênio da política
“Usamos várias das suas habilidades” para vencer as recentes eleições parlamentares da Ucrânia, disse o recém-eleito Zelensky logo no começo da conversa com Trump.
Como mostrou na entrevista coletiva de quarta-feira (25) à tarde, Trump ainda pensa muito em sua vitória eleitoral de 2016. Elogiá-lo pelo triunfo valida uma narrativa crucial para a presidência Trump: ele merece estar na Casa Branca mesmo que tenha perdido a votação popular de maneira histórica (o presidente americano é eleito por um colégio eleitoral).
Há muito tempo os líderes mundiais sabem que podem explorar este tema. Dias depois da posse de Trump, a então premiê britânica, Theresa May, disse que o feito do empresário americano tinha sido “incrível” – na tentativa de construir pontes com um par que não parecia muito interessado nos compromissos dos Estados Unidos com seus aliados europeus.
Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, disse que a argúcia de Trump é tão única que pode resolver o conflito entre israelenses e palestinos – responsável por dezenas de milhares de mortes, incontáveis abusos dos direitos humanos e décadas de tensão no Oriente Médio. A “condução corajosa”, a “sabedoria” e “as excelentes habilidades de negociação” de Trump significariam uma nova oportunidade para a paz, disse Abbas em maio de 2017. Segundo Abbas, com a ascensão de Trump “temos esperanças”.
No fim das contas, Trump se voltou contra May e fez e tudo para diminuir a influência palestina.
Elogie os negócios dele
Zelensky também parece ter percebido que falar dos negócios de Trump é uma boa maneira de lisonjeá-lo. Na ligação de julho, o presidente ucraniano mencionou ter se hospedado na Trump Tower em uma visita a Nova York.
Outros líderes foram ainda mais longe. Pelo menos 12 governos estrangeiros pagaram por estadias em propriedades de Trump – negócios que ainda geram receitas diretamente para o presidente – durante os dois primeiros anos de seu governo, segundo a ONG Citizens For Responsibility and Ethics in Washington (CREW). Os pagamentos incluíram quartos de hotel e espaços para a realização de eventos.
Em um processo aberto em 2017 e recentemente analisado por um tribunal de segunda instância, a CREW argumenta que as Organizações Trump têm vantagem em relação aos concorrentes por causa dos conhecidos laços da empresa com o presidente. Os lucros de Trump seriam uma violação de leis que protegem integrantes do governo da influência de estrangeiros ricos.
A Arábia Saudita, um dos países mais ricos do mundo cujas despesas não são submetidas ao escrutínio público, é uma das grandes fãs desse método, aumentando dramaticamente as receitas dos hotéis de Trump em Nova York e Washington. Essa associação parece estar viva na memória do presidente americano. Falando recentemente sobre um ataque sofrido pelos sauditas – e que nada tinha a ver com seus negócios―, Trump disse: “A Arábia Saudita paga em dinheiro vivo.
Copie sua retórica
Zelensky usou a ligação para falar de dois dos assuntos prediletos de Trump: ele atacou os governos europeus por não fazerem o suficiente em nome da segurança do continente (neste caso, apoiando a Ucrânia no combate a milicianos apoiados pela Rússia) e afirmou também que estava tentando “secar o pântano da corrupção” na Ucrânia – a mesma expressão usada por Trump em sua campanha eleitoral. Ele até mesmo aceitou que o ex-presidente Joe Biden e seu filho Hunter teriam feito algo ilegal na Ucrânia e que a equipe de Rudy Giuliani e o ministro da Justiça, William Barr, poderiam descobrir exatamente o que aconteceu.
A tática de imitar o objeto confuso com o qual você lida, muito útil para que os bebês aprendam a se comunicar com o mundo, é muito valiosa para os interlocutores de Trump. Em março, o premiê da República Tcheca, Andrej Babiš, elogiou o slogan usado pelo presidente americano na campanha.
Faça Trump acreditar que ele é mais importante que seus antecessores
Os líderes também sabem que, como o presidente americano é movido a ressentimentos – com democratas como Barack Obama e Hillary Clinton ou até mesmo com colegas de partido, como John McCain ―, fazer Trump acreditar que ele é mais importante que seus antecessores é uma excelente estratégia.
A China recebeu Trump com mais pompa que a estendida a Obama. A França o colocou no melhor lugar para acompanhar as celebrações da Queda da Bastilha. Shinzo Abe, o premiê japonês, e Muhammed bin Zayed, dos Emirados Árabes Unidos, esnobaram a Casa Branca nas semanas finais do governo Obama e preferiram lidar diretamente com Trump antes mesmo de ele tomar posse. O israelense Benjamin Netanyahu, reconhecendo a importância da proximidade com Trump, disse repetidas vezes que as relações com os Estados Unidos estão muito melhores que no passado.
Simplesmente puxe o saco dele
A melhor maneira de cair nas graças de Trump é simples e eficaz: diga que ele, e todo o Mundo Trump, é o melhor.
“Podemos usar seu avião, que provavelmente é muito melhor que o meu”, numa próxima visita, disse Zelensky.
Mas às vezes as coisas não funcionam exatamente como o esperado. Num telefonema, o saudita Mohammed bin Salman fez copiosos elogios a Trump, que estava falando no viva-voz do Salão Oval na presença de convidados. Segundo o Financial Times, que revelou o episódio, Trump parecia feliz, mas não tão impressionado assim ao final da conversa. Mas, com a chegada iminente do primeiro aniversário do assassinato do colunista Jamal Khashoggi, um crime no qual o príncipe saudita está diretamente envolvido – e desfrutando da proteção tácita de Trump ―, o importante é continuar tentando. Há muitas maneiras de chamar a atenção do presidente.
*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido para o português.