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10 Considerações sobre Caro Dr. Freud, organizado por Gilson Iannini ou Respostas do século XXI a uma carta sobre homossexualidade

Fonte http://www.listasliterarias.com/2020/02/10-consideracoes-sobre-caro-dr-freud.html

O Blog Listas Literárias leu Caro Dr. Freud – Respostas do século XXI a uma carta sobre homossexualidade, organizado por Gilson Iannini e publicado pela editora Autêntica; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – Caro Dr. Freud entre o ensaio, a tese a a ficção missivista nos proporciona uma espécie de “buraco de minhoca” dobrando o tempo e aproximando dois inícios de diferentes séculos que a despeito do andar da carruagem, em uma discussão que evidencia-se mais do que urgente e necessária, o debate sobre a homossexualidade em tempos de nova escalada opressiva contra a população LGBTQ+;
2 – Para isto, o livro parte da interessante proposta de reunir diferentes pensadores e intelectuais convidados a responder a famosa carta de Sigmund Freud em que responde a uma suposta mãe aflita acerca da sexualidade de seu filho. Na breve missiva encontra-se muito das discussões posteriores tanto de Freud como de outros pesquisadores das questões de gênero e identidade. Em síntese o livro por meio do tradicional formato de missivas constrói diálogos entre os pensadores contemporâneos e Freud;
3 – De acordo com o organizador Gilson Iannini “a aposta deste livro, o desafio que ele propõe é o seguinte. E se o verdadeiro destino desta carta fosse o século XXI, nós todos, eu e você, qualquer um?” de modo que “o resultado foram cartas que expressam, por si só, a diversidade das várias perspectivas teóricas, políticas, literárias, sexuais”, algo que os leitores acabam confirmando no processo de leitura de cada carta ou ensaio componente do volume;
4 – São ao todo 26 pesquisadores e intelectuais a colaborar com a publicação, e isso, como visto neste texto como uma grande diversidade nas escolhas no como se estabelece o retorno à carta de Freud. Há desde os que mantém a presença do seu eu, a outros cujo retorno usa das possibilidades da ficção e suas alteridades para “imaginar” respostas que vão de tentativas de [re]construção da mãe suposta, ou mesmo os que mergulhando nos mistérios que envolvem esta famosa correspondência, partem para a resposta de um possível filho que teria escrito a carta e que neste século acaba confessando e retomando o debate desta e nesta carta de 1935;
5 – Algumas cartas, como a de Guacira Lopes Louro tenta aproximar experiências pessoais e familiares ao texto de Freud, mas acima disso, escreve sob a égide da curiosidade das repercussões íntimas nas “personagens” originais envolvidas. Já outras, talvez o único caso que acabe escorregando para além da discussão das sexualidades, Marcia Tiburi acaba meio que abrindo-se a Freud narrando os desencantos e as agruras políticas de nosso presente. Mas no geral, seja por meio de uma estética mais literária, ficcional, ou por meio de uma tentativa mais direta de responder a Freud, de modo geral este século tenta responder ao anterior a partir de pequenos avanços e muitos retrocessos, isso não apenas nas lutas LGBTQ+, mas do feminismo e outras lutas minoritárias e identitárias cuja mensagem que une todas as manifestações é da permanência dos ataques contra a liberdade dos corpos e das mentes;
6 – A partir disso podemos, levando-se em conta a simplicidade de uma resenha em blog, claro, levantar duas grandes e importantes questões que acabam vindo à tona neste “buraco de minhoca” interligando dois tempos. O primeiro, obviamente retoma a similaridade dos comportamentos sociais nos respectivos contextos históricos. É de farto registro os impactos, as repercussões e as perseguições a Freud por suas discussões acerca das sexualidade. É fato também do momento de auge autoritário – e estabelecimento dos totalitarismos – no contexto em que Freud retorna a suposta mãe, assim como as escaladas morais daqueles tempos. Assim, não é coincidência que os habitantes deste século XXI, mas especificamente desta segunda metade de século que se inicia, ao dobrarem o tempo, promovam encontro com Freud. De certa forma as cartas aqui reunidas revelam certa estupefação, “olha só, Dr. Freud, quem diria, nós que achávamos que tínhamos nos civilizado, nos aberto às diferenças, eis que testemunhamos nova escalada moralista e de ataques à diversidade e ao direito de escolhermos como vivemos e experimentamos nossa sexualidade[s]”. Isto significa dizer que não deixa de conter ares de denúncia contra a opressão e a perseguição cada dia mais e mais violenta ao público LGBTQ+, e como muitas cartas deixam claro, como isso é ainda mais violento neste país chamado Brasil;
7 – Além disso, ou por causa disso, em grande parte as cartas reunidas expressão uma mensagem que se pode parecer conter desencantos, carrega também um alerta esperançoso de resistência. E o alerta que deve ficar claro é de que “nenhuma conquista é definitiva”. Sim, porque embora as cartas apresentem um ou outro avanço, trazem seus retrocessos, e mais do que isso, neste “buraco de minhoca” específico utilizam desta clareza do quão necessário é permanecer atento e vigilante no embate e no frear do reacionarismo moralista que parece querer elevar a velocidade de sua escalada e a tomada do cume social;
8 – Com tais questões as cartas então para a questão central que não apenas justifica o “buraco de minhoca” proposto pelos editores e organizadores do livro. Trata-se da pertinência da carta de Freud. Uma pertinência ainda neste século XXI. Quando Freud diz para a mãe “aquilo que a análise pode fazer pelo seu filho segue uma linha diversa. Se ele é infeliz, neurótico, acossado por conflitos, tem sua vida social inibida, a análise pode aportar-lhe harmonia, paz de espírito, eficiência total, quer ele siga sendo um homossexual ou tenha mudado…” não apenas abre diferentes possibilidades para os estudos de gênero, mas mais do que isso, demonstra o humanismo que deveríamos esperar de todos, ou seja uma sociedade sem recriminações, pois que não é a sexualidade ou a escolha do suposto filho o problema, mas sim todos os códigos e condutas de uma sociedade ainda patriarcal que o leva à infelicidade, às neuroses… seria tão simples se apenas pudéssemos respeitar as escolhas íntimas de cada um, uma, de todxs;
9 – Vale ressaltar ainda que como dito no início, na diversidade que se propõe o livro, muitas cartas e mesmo nos ensaios finais, não apenas a homossexualidade está em debate, mas diferentes expressões das sexualidades, a transexualidade, a bissexualidade, enfim um universo mais amplo de possibilidades que não chegaram a ser debatidos por Freud. Assim, o livro perpassa pela teoria queer, pelas relações de poder, especialmente de um poder opressor que entre estes tempos que dialogam persistem nas tentativas de opressão ao diverso. Tudo isso torna a leitura bastante rica e necessária;
10 – Em suma, Caro Dr. Freud entre o espanto com a onda reacionária e moralista e a proposição do debate resiste porque não verga aos ataques costumeiros. Por isso é leitura fundamental nestes tempos intolerantes e nesta nação ainda tão preconceituosa. E não se trata de uma leitura de interesse apenas para o público LGBTQ+, pelo contrário, penso que as discussões aqui presentes devam ser conhecidas e debatidas também pelo público hétero. A violência contra as minorias identitárias ou sexuais é também uma culpa nossa, e deve demandar compromisso de todo/a hétero humanista porque essa em síntese é uma luta por liberdade. Como é possível depreender dos textos aqui reunidos, e da própria história, há muito e muito tempo os corpos são prisioneiros do Estado, este controlado e dominado por uma sociedade patriarcal. Toda campanha moralista parte do pressuposto coletivo e religioso para simplesmente dizer o que pode ou não uma pessoa fazer com seu corpo. Limita-se a liberdade e são estas e todas as limitações o drama que aflige o filho na carta de Freud. Limitações que praticamente um século todo não foi suficiente para apagar por completo. O caminho deve ser a construção universal do consenso de que somos todos livres para escolher como vivenciar os prazeres, o desejo, como utilizar nossos próprios corpos. Creio, se não estiver enganado esse seja o pedido recorrente em cada uma das cartas aqui reunidas. Cartas que ao mesmo tempo agradecem a contribuição de Freud nesta luta, apontam para o quão longe ainda estamos do respeito à diversidade e o respeito a algo que a mim deveria ser básico que cada um/a/x possa simplesmente viver da forma que deseja. 

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