Fonte http://www.listasliterarias.com/2019/09/10-consideracoes-sobre-flicts-de.html
10 Considerações sobre Flicts, de Ziraldo ou sobre nobres procuras
O Blog Listas Literárias leu a edição comemorativa dos 50 anos de Flicts, de Ziraldo, publicada pela editora Melhoramentos; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – Mágico e sensível, Flicts chega a seu cinquentenário com razões a ser celebrado, pois que é destas criações que a despeito de aparente simplicidade, vem à luz sob os auspícios de uma genialidade de celebrar as interconexões dos distintos gêneros, fundir narrativa e imagem, celebrar prosa e lírica numa só obra, tudo isso com o poder e encantamento das nobres jornadas, com a dessa corzinha solitária, mas esperançosamente sempre a procura;
2 – Tratando-se de edição comemorativa, claro, a presente publicação é trazida junto de diferentes textos acerca do livro de Ziraldo, que em geral reproduzem o arrebatamento provocado na recepção de Flicts, como o texto de Drummond no Correio da Manhã em que diz “Flicts é a iluminação mais fascinante de um achado: a cor, muito além da própria imagem…”
3 – Aliás, Drummond em seu texto vai tocar no poder de simbolizar e o desejo de encarnar-se em Flicts, e de fato temos aqui um aspecto gigantesco a se analisar da capacidade da literatura de produzir/apresentar/resignificar/criar simbologias. Afinal, quando o símbolo vira símbolo? Quando Flicts torna-se real? Certamente não apenas por dizer dele, mas quando entendermos ele, compreendermos ele, observá-lo em suas complexidades, e é assim que Ziraldo traz ao mundo Flicts, não apenas dizendo o que é Flicts, mas desnudando Flicts em seus desejos, aspirações, sonhos…
4 – Não deixa de ser nesse sentido auspiciosa metáfora a todos que aspiram encontrar seus lugares no mundo, pois sim, a solidão de Flicts, não só isso, mas a rejeição à Flicts por seus coloridos pares, por certo tocará almas semelhantes, que passam pelos mesmos desejos e pelas mesmas rejeições a que passa Flicts, que ao final demonstra a força que há não apenas quando os outros dizem sobre nós, mas quando nós mesmos sabemos quem e o que somos;
5 – Se há força na alegoria e na metáfora, que dizer então da estética plural – e por que não, de certa vanguarda – do livro. Seria interpretação e leitura empobrecida centrarmo-nos no divertido jogo de cores presente na obra, bem como vê-lo com história de uma cor solitária. São camadas profundas que montam a obra, que faz imbricarem-se diferentes gêneros e tipos, da linearidade das narrativas com o ritmo e cadência da poesia, não esquecendo do princípio retomando os contos clássicos e seu tradicional “era uma vez…”
6 – Entretanto, no caso desta obra ilustrada sem ilustrações, não estão apenas no texto seus valores. E a imagem aqui não se enquadraria, creio eu, na compreensão tradicional da palavra ilustração. Ilustração é dispensável como bem sabemos das diversas edições de um mesmo clássico, umas ilustradas, outras não. A ilustração é acessória, no caso de Flicts, por não tratar-se de ilustração, a imagem é texto e desempenha as mesmas ações das palavras, sendo que no caso deste livro, um não sobreviveria sem o outro;
7 – Isso porque a montagem palavra-imagem estimulará os movimentos cognitivos de seus leitores, chamados a saltar entre um e outro para formar a compreensão plena dos significados presentes, de modo que com ares magistrais, Ziraldo por meio da técnica faz fluir diferentes coisas dentro de um único livro;
8 – Aliás, vale dizer que por vezes incomoda-me as classificações, como pensar Flicts apenas como uma obra infantojuvenil. Pensar que uma obra assim se limite pela faixa etária de seu leitor pode ser enganoso, ou pelo menos restritivo; é obra de riqueza e complexidade a ser lida e decifrada nas diferentes idades, das mais tenras às mais longevas, pois sua constituição de camadas textuais e da riqueza de sua estética, tal classificação poderia levar a um suposto engano de ser leitura simples, o que não o é. Que quiser uma leitura plena do livro, precisará olhar para além de sua simplicidade;
9 – Por essas e outras razões, neste meio século, a obra chega nos apresentando números fantásticos, com suas mais de 500 mil cópias vendidos, com suas diversas traduções de uma obra que literalmente não chegou à lua, de certo modo, tornou-se a lua, isso com a chancela de Neil Armstrong;
10 – Enfim, Ficts, edição de 50 anos é digna comemoração de uma obra que se apresenta com inovações não apenas estéticas e literárias, mas que nos traz uma história de alegoria forte, uma pequena gota de otimismo num mundo que como a própria Flicts descobre, nem sempre é amigável a nossas aspirações e sonhos. Nisso sua persistência que emite sinais de resistência, uma resistência esperançosa com o poético destino de Flicts.