Fonte http://www.listasliterarias.com/2019/12/10-consideracoes-sobre-flor-de-acafrao.html
10 Considerações sobre Flor de açafrão, de Guacira Lopes Louro ou sobre sexualidades
O Blog Listas Literárias leu Flor de açafrão, de Guacira Lopes Louro publicado pela editora Autêntica/Argos; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – Em Flor de açafrão Guacira Lopes Louro reúne ensaios que flertam com resenhas pelos quais debate e discute temas de seus estudos, gênero, sexualidade, feminismo, cultura queer, etc. Para isso, parte da análise/leitura/interpretação de obras culturais que discutem e abordam tais temas, com ênfase especial para produções cinematográficas e alguma coisa da literatura;
2 – Embora dividido em três partes, Takes, Cuts e Close-ups, os textos reunidos formam um todo único enquanto identidade dos trabalhos. No primeiro ensaio, “Mil botões”, Louro discorre a partir de Chega de Saudade (1997), de Laís Bodanzky sobre abjeções e sexualidade dizendo que “é ingênuo reduzir as relações de gênero a uma equação formada pelo binômio homem dominante versus mulher dominada” defendendo a complexidade dos enredos e estratégias de tal relação;
3 – Em “Chapéu, coldre, colete” a partir da análise de westerns (No tempo das diligências (1939), Os Imperdoáveis (1992) e O segredo de Brockeback Mountain (2005)) a autora discutirá masculinidade, heteronormatividade, homossexualidade e convenções sociais a partir destes três filmes de gênero, que para autora “filmes de faroeste exerceram poderosas pedagogias de gênero” de modo que “no universo masculino, a heterossexualidade parece indiscutível, praticamente naturalizada. Parceiros podem até arriscar a vida pelo outro, mas os faroestes costuma sugerir nesse gesto nada há além da lealdade e coragem” e justamente por isso “O segredo de Brockback Mountain, de Ang Lee, perturba esse cenário”;
4 – “Música distante” faz a construção de diálogo entre Os mortos, de James Joyce e a obra cinematográfica Os vivos e os mortos (1987), de John Huston. Aproximando as duas narrativas, literária e cinematográfica, ao fim, Louro diz que “sob o abrigo da superioridade e da arrogância, aparecem, finalmente, a fragilidade e a insegurança do homem”;
5 – No ensaio “Um marido com tetas” a análise parte do “exagerado e exuberante, pleno de dramas e cores fortes” Tudo sobre minha mãe (1999), de Pedro Almodóvar. De acordo com Louro a obra “põe em cena um punhado de personagens femininas que se cruzam e se enredam de múltiplas formas”. Na abordagem a força teórica de Judith Butler “de que o gênero não é algo que se possui, mas algo que s faz” e de como tais afirmações se apresentam na narrativa analisada. Para Louro “Almodóvar não propõe uma moral ao final da história. Ele provoca os clássicos, perturba polaridades, embaralha o belo e o feio, o bom e o mau. Suas complexas e múltiplas personagens implodem qualquer noção singular de feminino”;
6 – “O inferno é aqui” traz nova abordagem a partir do trabalho de Laís Bodanzky, dessa vez sobre As melhores coisas do mundo (2010) que a despeito da possibilidade de ser “um filme juvenil, sim, mas bom para pensar” isso porque “permite outras camadas de leitura” sendo que “dá pra pensar que o ódio e a violência cotidianos persistem e que se reinventam resistências”. Na sequência em “Zona de contrabando” o ensaio aborda Transamérica (2005), de Duncan Tucker onde “a metáfora da viagem, frequentemente explorada na literatura e na educação, parece se repetir com algumas variantes, nos road movies“, caso desse filme que servirá ainda de abordagem do queer na cultura;
7 – Já adentrando a última parte do livro, “A echarpe de lavanda” parte da leitura e interpretação de Longe do paraíso (2002), de Todd Haynes. Sobre a obra diz Louro “tudo é excessivo, Haynes nos faz desconfiar do drama que estamos acompanhando. Apesar das similaridades, não mergulhamos no filme como fazíamos naqueles dos anos 1950. Até o fim somos levados a manter certo distanciamento;
8 – Em “Calções, saias e crinolinas” temos a interpretação do clássico livro de Virgínia Woolf, Orlando, uma biografia. A obra tem sido referência indispensável no debate acerca do gênero e neste ensaio que se aproxima de uma resenha, Guacira Lopes Louro para da leitura para a argumentação acerca das complexidades das questões de gênero, lembrando que “é verdade que não escolhemos um gênero como quem escolhe uma roupa no armário (e a analogia já foi feita por Butler). A possibilidade de agência e de escolha que Orlando parece exercer não se repete nas existências ordinárias. Nossa agência é constrangida, circunscrita por normas regulatórias, mas, paradoxalmente, isso não cala a subversão”. De acordo com Louro “somos capazes de desconstruir e reinventar as roupas, ou melhor, as regras que nos cabe adotar”;
9 – Para fechar a seleção de ensaios o que nomeia a publicação, “Flor de açafrão”. Nele uma tripla abordagem, de Mrs. Dalloway, outro clássico de Woolf, uma espécie de releitura de Michael Cunningham, The Hours e a adaptação cinematográfica deste, As horas (2002), de Stephen Daldry. Em debate não apenas a personalidade/personagem Virgínia Woolf mas o feminino em todas as suas complexidades, desafios, dramas e perigos;
10 – Enfim, em Flor de açafrão Guacira Lopes Louro com argumentação sólida e de linguagem simples marcada pela intertextualidade e polifonia parte de sua leitura/compreensão de obras da cultura, especialmente cinema e literatura, para analisar as questões de gênero e a forma como os dramas e os questionamentos e posturas são trabalhados e [re]significados nas narrativas abordadas. A bem da verdade, tendo as narrativas culturais como ponte para o debate, a autora principia sua discussão de questões que não raro são levadas à polaridade. Entretanto, vale dizer que neste trabalho a voz marcada pela sutileza do texto é ótimo caminho para que possamos expandir nossas compreensões acerca de assuntos muitas vezes ainda vistos como tabus pela sociedade. Nestes ensaios Guacira te convida a abrir sua mente, desde que você não seja daqueles que adentrem à leitura com decisão já feita, claro.