Fonte http://www.listasliterarias.com/2020/05/10-consideracoes-sobre-o-elogio-da.html
10 Considerações sobre O elogio da literatura, de Riccardo Mazzeo e Zygmunt Bauman ou sobre a era dos narcisistas
O Blog Listas Literárias leu O elogio da literatura, de Zygmunt Bauman e Ricardo Mazzeo publicado pela editora Zahar; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – Neste livro a questão geralmente contestada, a relação entre literatura e sociologia é entabulada num diálogo na forma de cartas em que Riccardo Mazzeo, reconhecido ensaísta e Zygmunt Bauman, sociólogo renomado e cujo conceito de modernidade líquida meio que se tornou quase um clichê para descrever o mundo pós-moderno, debatem com erudição e arcabouço teórico, e com a síntese e a clareza de uma boa conversa, tanto a relação aqui falada, como também as sociedades do nosso presente e os comportamentos cada vez mais caracterizados pelo exacerbado narcisismo de nossos tempos, um dos pilares do consumismo desenfreado e acrítico por qual se moldam as culturas;
2 – De acordo com os autores a “literatura e sociologia estão mais que intimamente vinculadas e cooperam uma com a outra de forma mais estreita do que em geral acontece com os vários tipos de produtos culturais” de modo que “literatura e sociologia são complementares, mutuamente suplementares e reciprocamente enriquecedoras” estabelecendo assim uma relação dialética e dialógica que “não estão de forma alguma em competição”;
3 – É nesse sentido que os autores dizem que ao sociólogo que se proponha a “deslindar o mistério da condição humana (…) dificilmente poderia fazer melhor escolha que colher as sugestões de gente como Franz Kafka, Robert Musil, Georges Perec, Milan Kundera ou Michel Houellebecq”. De acordo com Mazzeo e Bauman “literatura e sociologia alimentam uma à outra. Elas também cooperam ao esboçar os horizontes cognitivos uma da outra e ajudar a corrigir as confusões e os descuidos ocasionais uma da outra”;
4 – Isso posto, fundamentados por Lukács, Kundera, eles apontam para a forma do romance, “essencialmente biográfica”, que faz para Kundera que Cervantes tanto quanto Descartes seja “fundador da sociedade moderna”. Para os autores, os “romances e estudos sociológicos nascem da mesma curiosidade e têm propósitos cognitivos semelhantes, compartilhando parentesco e ostentando uma presença familiar indiscutível, palpável” e que ainda “escritores de romances e de textos sociológicos exploram, em última análise, o mesmo solo: a vasta experiência de estar no mundo“;
5 – Assim, nesse movimento de vias de duas mãos, “revelam a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade da condição humana quando estão na companhia um do outro, quando permanecem atentos às descobertas um do outro e se engajam em diálogo contínuo”. É nesse aspecto que propõem que literatura e sociologia juntas e somente juntas, podem alcançar à altura “da tarefa desafiadora de deslindar e desnudar o enredamento complexo entre biografia e história, bem como entre indivíduo e sociedade: essa totalidade que nós moldamos diariamente ao mesmo tempo que somos moldado por ela”;
6 – Dito isto, os autores estabelecem seus diálogos, sempre com uma introdução provocativa de Mazzeo e por conseguinte a réplica de Bauman, tratando em doze capítulos diferentes perspectivas que imbricam sociologia, sociedade e literatura, a começar por “As duas irmãs” em que se enveredam por aprofundar a relação já falada aqui entre literatura e sociologia, trazendo na sequência “A salvação pela literatura” e “O pêndulo e o centro vazio de Calvino” e “O Problema do pai”;
7 – Na sequência passam pelo debate de “A literatura e o interregno” e em “O blog e o desaparecimento dos mediadores” os dois repercutem tanto a produção literária, mas também a própria crítica a partir da observação desta ferramenta contemporânea que é o blog, prosseguindo para “Estamos todos nos tornando autistas” que de certo modo fala de um mundo anestesiado e que parece não compreender seu próprio tempo;
8 – Especialmente no oitavo capítulo teremos reflexões sobre “Metáforas do século XXI” onde o debate centraliza especialmente a sociedade do consumo, do individualismo exacerbado e do narcisismo, embora os autores não façam o óbvio, lembrar-nos de que Narciso afoga-se nas águas, Bauman e Mazzeo descrevem esta ida ao fundo do lago. O capítulo é seguido por “O risco da tuiteratura”, “Seco e úmido” e “O Entrincheiramento da singularidade“;
9 – O livro se fecha com “Educação, literatura, sociologia” retoma-se as imbricações entre sociologia e literatura, ampliada aqui com o debate da educação em que Bauman partindo de Castioradis parte de “o problema com nossa civilização é que parou de se questionar” e partindo desse movimento que pretende-se ir na direção contrária o silenciamento das perguntas e integrando a proposta do capítulo Bauman diz que “formular questões existenciais básicas e trazê-las de volta à agenda pública são a vocação compartilhada pela literatura e a sociologia”;
10 – Enfim, O elogio da literatura convence-nos com bons argumentos das relações entre literatura e sociologia. Mais do que isso, nos ajuda não apenas compreender esse mundo que vivemos, mas também a desafiá-lo e a resistir, tal como levantar perguntas que por mais que possam parecer incômodas, são essenciais para “a sanidade” humana que pretenda construir uma civilização melhor. E nesse fato não há dúvidas quanto a relevância tanto da literatura quanto da sociologia.