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10 Perguntas para o escritor Frederico Monteiro

Fonte http://www.listasliterarias.com/2020/02/10-perguntas-para-o-escritor-frederico.html

O Blog Listas Literárias leu recentemente o romance Babel, de Frederico Monteiro, e ficamos bastante impressionados com a qualidade deste romance, estréia do autor no gênero. Por isso convidamos Frederico Monteiro a esta entrevista que falamos de sua obra, sobre literatura e um tanto mais. Confira:
1 – Antes de mais nada, Babel é uma construção interessante, poderíamos vê-la enquanto alegoria do desencanto?
F.M: Acho que sim. Estava de fato um pouco desencantando quando escrevi. Foi um período bem difícil para o país. Babel acabou refletindo um pouco esse momento interno. Mas não podemos confundir desencanto com desesperança.
2 – Um dos destaques do romance é seu protagonista, Francisco, algo entre a ilusão quixotesca e a pobre-diabice muito comum em nossa literatura. Para Frederico autor, quem é Francisco?
F.M:  É um sobrevivente. Não no sentido épico de sobrevivente, mas de alguém que luta pequenas batalhas para se manter funcionando no mundo. E mais, que o faz sem qualquer atributo especial a não ser a paciência. Observe que as questões postas na frente de Francisco, a penúria, o amor, o ciúme etc… são questões de todos nós, em maior ou menor medida. Salvar o mundo e matar dragões são questões apenas para eleitos.
3 – Aliás, é possível observar na qualidade de sua obra uma forte carga de leituras e influências. Como você observa Babel em relação a nossa literatura? Quais referências e leituras você acredita terem impacto em seu texto?
F.M: Tenho sincera dificuldade em categorizar obras literárias, e a dificuldade é ainda maior com relação à minha própria obra. Na nossa literatura, Babel ainda é um bebezinho que acabou de nascer. Vamos ver onde chegará. Quanto às influências, leio muito, e procuro variar minhas leituras. Há muita gente que me influencia, cada um a sua forma. O processo criativo é muito complexo, dinâmico. A forma de narrar pode ser influenciada por um ou outro escritor, mas a estética recebe influência de outro. E mais, aquele vento que soprava quando escrevia um capítulo certamente não é o mesmo que soprará quando for revê-lo e corrigi-lo meses depois.
4 – No romance temos uma cidade quase personagem, decaída, degradada, insólita, elástica capaz de ser imensa como uma nação ou pequena como uma vila. Como você observa essa questão?
F.M:  Babel, o lugar, é mesmo isso, uma vila ou também uma nação. Mas viva, quase humana. O romance se inicia com a informação de que Babel amanhece feliz. Acompanhar uns tantos dias da vida de Francisco passou pela necessidade de transformar o seu espaço também em uma personagem, que com ele interage. Francisco, assim como nós, reage ao meio, que respira ao seu redor. Temos de abandonar a indiferença com que olhamos a cidade ao nosso redor. Ela é viva.
5 – Há todo um pano de fundo político em sua literatura. Um olhar ácido e cético que procura a despeito de dois polos existentes em disputa pela Babel, seriam faces de uma mesma moeda. Esse é um sentimento que nos aflige hoje?
F.M:  Aflige a mim, ao menos. A existência de dois polos estanques é muito ruim, principalmente porque redunda num maniqueísmo barato. Um dos polos sempre se apropriará do bem e acusará o outro de todo o mal do mundo. É um ciclo difícil de sair. O fenômeno existe em Babel, na figura do padeiro Quincas. Francisco, como já disse, acaba sobrevivendo pela paciência.
6 – Além disso, temos no romance certo clima de final de festa, mas um final de festa da própria civilização que parece ter se enganado pelo caminho. Assim, violência, corrupção e conceitos deturpados de justiça, por exemplo, saltam a frente do leitor. É uma tentativa de compreender e revelar o próprio Brasil?
F.M:  Sim. Esse é o principal papel literatura. Não podemos contar apenas com nossos sentidos imediatos para conhecer o mundo e o próprio ser humano. Hoje sequer podemos contar com a mídia, que não problematiza, não se aprofunda. A literatura, em sentido amplo, é que torna essa experiência – a da compreensão – possível, alcançável. Há sempre o perigo do relativismo, a opinião do leitor ser moldada pela opinião do autor, mas ainda creio no imenso poder reflexivo da leitura.
7 – Falando em justiça, e permita-me uma digressão pessoal, a quem como eu que já participou de um tribunal de júri, sua trama é das mais eficientes em descrevê-lo. Há todo o aspecto teatral envolvido, os dramas, mas para além disso, até mesmo certa análise do sistema. Como enxerga a questão? De que forma sua atuação enquanto defensor público colaborou para a experiência?
F.M:  Mais que um teatro, muitas vezes o processo criminal é um jogo de cartas marcadas. A atuação dos envolvidos é meramente protocolar e as soluções quase sempre já estão construídas dentro de esquemas. Os dramas e as histórias de vida raramente chegam íntegras aos processos. Elas chegam através de versões ou versões de outras versões. E são poucos os atores processuais que realmente procuram tentar enxergar o drama humano por trás do processo. A verdade é que rapidamente nos tornamos burocratas, o volume de serviço faz isso conosco. A minha atuação como defensor público, contudo, me permite – ou me impõe – o acesso a um sem-número de histórias todos os dias, histórias felizes e tristes, bem como a personagens dos mais variados tipos. É um terreno muito fértil.
8 – Fugindo um pouco do romance, quais foram ou têm sido os desafios enquanto criador/autor de literatura no Brasil?
F.M:  O principal é a publicação. Ao que se tem notícia, as editoras enfrentam severa crise, com alguns fechamentos nos últimos anos, e tendem a não arriscar. Assim, a publicação sem custo para o autor acaba sendo um sonho quase impossível. O escritor tem necessariamente que se valer da autopublicação, e não são todos os que dispõem de condições para isso. E mesmo que publicado, não há segurança alguma de retorno financeiro. É angustiante. Assim, a atividade de escrita criativa acaba sendo uma profissão de fé. Mas isso não é algo que possa amedrontar o escritor. A atividade diária de ler e escrever deve persistir.
9 – Também nesse aspecto, como você analisa a literatura brasileira em nosso presente?
F.M:  Apesar de as editoras estarem em crise, acho que nunca se produziu tanto no Brasil, resultado da possibilidade de autopublicação. Hoje qualquer livro é publicável. Há, assim, de tudo no mercado, para todos os gostos. Quanto à literatura nacional contemporânea, confesso que a leio pouco. Não por resistência, mas por falta de tempo. A história da literatura universal é tão vasta que acho desperdício o leitor se concentrar em uma única literatura. Mas vez ou outra encaixo literatura contemporânea na minha longa fila de livros. Para citar alguns que frequentaram minha lista nos últimos tempos, Milton Hatoun, Cristóvão Tezza e meu conterrâneo, Ignácio de Loyola Brandão.
10 – Para finalizar, Babel é um romance atravessado pela estética com forte compromisso literário. Como você trabalha isso em sua literatura, seus compromissos? Além disso, sua abordagem é marcada fortemente também pela relação literatura e sociedade, como você analisa esta relação?
F.M:  Não consigo desvincular a literatura da estética. Como leitor, as obras que mais me impactaram tinham grande apelo estético. Como escritor, há também essa busca, esse norte. Sou um escritor cuidadoso e meticuloso. Escrevo, leio e releio o que escrevi incontáveis vezes, sempre buscando a melhor forma de fazer o que já está feito, e muitas vezes mal feito. O leitor merece esse esforço, merece que o autor se esmere por entregar o seu melhor. Quanto à relação entre literatura e sociedade, ela nem sempre é necessária como proposta original. Literatura e sociedade correm em trilhos distintos, que por vezes se encontram e se cruzam. A literatura não deve se limitar aos temas da sociedade, aos temas da pauta do momento. Seria subtrair da literatura o sonho, o mágico. Essa relação foi circunstancial em Babel e tende a não se repetir nos próximos trabalhos que virão.

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