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10 Perguntas para o escritor José Leonídio

Fonte http://www.listasliterarias.com/2020/06/10-perguntas-para-o-escritor-jose.html

No post de hoje entrevistamos o escritor José Leonídio, autor da ambiciosa pentalogia A casa dos Deuses. Em nossa conversa, seus livros, literatura e também um bocado de história do Brasil. Confira:
LISTAS LITERÁRIAS: 1 – O projeto da pentalogia A casa dos deuses é ambicioso e parece-nos querer propor um, senão novo, mas distinto olhar para a nossa história. Como surge o projeto e quais suas intensões?
JOSÉ LEONÍDIO: Na vida aprendemos muito com os nossos porquês. O projeto da Pentalogia “A Casa dos Deuses” surgiu de uma pergunta que me fiz: Quem manteve os valores dos antigos habitantes que aqui viveram? Este questionamento estava relacionado com a manutenção das diversas designações no dialeto Tupi, seja acerca de acidentes geográficos nas palavras usadas até hoje, suas lendas e a própria mítica Tupinambá personificada em totens naturais. Corcovado, a casa de Iara e Pedra da Gávea, (Metaracanga) a casa de Tupã e a floresta da Tijuca como a Casa dos Deuses Tupinambás também. Todos estes fragmentos da história nativa estão espraiados em frases soltas, em publicações antigas; e o que mais chama atenção é que não temos na nossa história relato algum sobre a nação Tupinambá que viveu na Guanabara por séculos. Encontramos descrições fragmentadas, atreladas com óticas religiosas díspares. Podemos citar, por exemplo, as obras de Hans Staden, André de Thevet e Jean de Lery. Fugindo deste olhar com alto teor eclesiástico, de uma certa forma mais próximos da realidade, estão os relatos franceses que culminam num ensaio feito por Montaigne, quando da ida de cerca de cinquenta Tupinambás para a cidade de Rouen, na Normandia, onde montaram uma aldeia, às margens do Rio Sena, de cerca de duzentos participantes. Os outros 150 eram de franceses que mantinham contato com os “Brasis”. Esta estada em Rouen, na Normandia, possibilitou o que hoje chamaríamos de uma oficina de trabalho com o filósofo Michael de Montaigne, culminando num relato posterior denominado “Dos Canibais”, inserido em “Ensaios” (reflexões filosóficas). Fragmentos também podem ser encontrados nas cartas do Padre Antônio Vieira e na publicação de 1730 em Lisboa, da História da América Portuguesa (1730) de Sebastião da Rocha Pita, com vários pareceres de autoridades religiosas da época ratificando a veracidade dos fatos ali narrados. No século XIX ouve uma tentativa de resgate da história sob o ponto de vista nativo, encabeçada pelo Imperador Dom Pedro I, porém ficou no esquecimento restando somente poemas e publicações, como a Confederação dos Tamoios de Gonçalves Magalhães (1856), o romance “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, Juca Pirama. de Gonçalves Dias, entre outros, como, na primeira metade do século XX, a publicação “O Índio Brasileiro e a Revolução Francesa”, que se tornou um clássico de Afonso Arinos de Melo Franco. Chegamos então a conclusão que nossa verdadeira história, aquela que corresponde a nossa diversidade atual, teria que ser exposta. Nossos atores principais não seriam originários da nobreza, da fidalguia, da aristocracia. Não! Queríamos contar a história dos ditos infames: índios, africanos, ciganos, judeus e mouros, que constituíam a maioria da população da Guanabara Tupinambá, dos verdadeiros cariocas, os filhos de Iara, e que foi denominada pelos ditos colonizadores de São Sebastianópolis do Rio de Janeiro. Assim surgiu a ideia da pentalogia “A Casa dos Deuses”. Para alcançar este objetivo e tentar mostrar a interação entre as diversas etnias, esta teria que ser contada século a século para que pudéssemos ter noção dos valores culturais e religiosos que foram sendo absorvidos durante o tempo, dando início a formação da nossa cultura, miscigenada, diversificada, mítica e mística por formação. Como nosso material de 20 anos de pesquisa era mais encorpado de informações nos séculos XVIII, XIX e XX, resolvemos começar pelo século XVIII, em seguida o XIX. Neste momento, enquanto damos os contornos ao terceiro volume, “O Legado,” estamos nos aprofundando nas pesquisas correspondentes aos primeiros relatos feitos pelos que aqui estiveram (desde antes até o século XV e depois da descoberta no século XVI).
LISTAS LITERÁRIAS: 2 – Nos dois volumes até agora publicados você concentra em determinados momentos de nosso passado elaborando crônicas de uma época já ida. De que modo você elabora e reelabora esse processo de [re]constituição?
JOSÉ LEONÍDIO:  Seria muito difícil dar continuidade num relato que envolvesse todo um século mostrando a integração de culturas, no dia a dia. Para que a leitura se tornasse mais fluida e a interação entre as etnias se tornasse mais visível, resolvi me fixar num recorte do século no qual pudesse mostrar todo o movimento que a história, dita oficial, não nos conta. Nestes dois volumes procurei estabelecer aqueles momentos que, sob minha ótica, fossem os mais representativos. O objetivo é os leitores tomarem conhecimento das histórias que a história não contou. Os dois volumes são recheados de acontecimentos verdadeiros, logicamente romanceados, cujas fontes, na sua grande maioria, foram de relatos em diários de estrangeiros que aqui estiveram, bem como na coleção “Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro”, de Jose Viera Fazenda, “Casa Grande & Senzala”, “Sobrados e Mucambos”, “Ordem e Progresso” e “Os Ingleses no Rio de Janeiro”, de Gilberto Freyre; “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, “O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis” e “A Corte de D. João no Rio de Janeiro”, de Luís Edmundo, “História da Inteligência Brasileira de 1550 a 1914”, de Wilson Martins, História da Febre Amarela no Brasil de Odair Franco e, talvez, o que considero um dos relatos mais importantes, as teses de conclusão do curso de medicina da época, arquivadas na Biblioteca da Faculdade de Medicina da UFRJ, as quais, muitas versam sobre o dia a dia da cidade, seus costumes, suas doenças, epidemias, alimentação, prostituição, vida dos africanos escravizados, vida na corte etc. Uma leitura pouco divulgada e de um valor sociológico fantástico. A somatória de tudo isto e muito mais resultaram nos dois primeiros volumes e são, sem dúvida, alicerce para os próximos.
LISTAS LITERÁRIAS: 3 – Acima dos cenários estão os personagens, personagens de uma diversidade marcante em nossa formação enquanto sociedade. Índios, negros, colonizadores, todos habitantes de um mesmo espaço e trazido de uma forma que não se vê muito na literatura. É uma tentativa de se aproximar dos fatos?
JOSÉ LEONÍDIO:  Sim, minha criação foi num bairro basicamente de operários da linha Auxiliar da Central do Brasil, Cavalcanti. Me acostumei a conviver com uma sociedade plural, e acho que esta marca se consolidou nos meus romances. Gosto de mostrar o dia a dia, as interações entre as pessoas sem máculas, sem que um olhasse o outro com olhar que não fosse no mesmo nível. Um fato que me marcou muito foi quando passei para a Faculdade Nacional de Medicina, no dizer de hoje, a cereja do bolo, a que todos almejavam. Neste dia fui aconselhado por alguém que se achava superior a todos do bairro para que abandonasse as minhas más companhias, porque agora seria um médico. Virei as costas e fui comemorar com eles. Talvez minha maior afirmação vivenciando esta sociedade tão diversa em todos os seus valores tenha se dado no projeto Rondon, que fiz no Sertão de Canudos, em Cansanção na Bahia. Ali, pude viver os Sertões ao vivo e em cores. Ali, vivi, sofri, chorei, creio que ali nasceu o escritor, que tinha ânsia de mostrar a nossa verdadeira razão de ser. Esta experiência resultou no meu primeiro romance, a Raposa do Cerrado, no qual as etnias se misturam, os valores se misturam. Não consigo entender a vida, a história como uma caneta, um papel, e um narrador. Ela é muito mais, às vezes tem uma capa belíssima, uma escrita perfeita, mas nas entrelinhas podemos enxergar a verdade que está acima da verdade perfeita. Como você coloca na pergunta, acima dos cenários estão os personagens, e estes, às vezes, caem no anonimato da história. Quando mergulhamos no mundo real, aquele do cotidiano, de quem não tem quem lhe sirva, ao contrário, ele é que serve, colhemos as pérolas que foram deixadas nas ostras que nunca foram abertas; a verdade do dia a dia de quem faz a sua história que nunca será contada. Acho que tento fazer uma amálgama destes anonimatos. Trazê-los à tona para que, pelo menos, fique registrado que toda história tem três lados: o meu, o seu e o verdadeiro. Creio que sim, é uma tentativa de se aproximar dos fatos, numa ótica inversa, a beleza contida nos cenários mais cruéis.
LISTAS LITERÁRIAS: 4 – Por outro lado, não haveria o risco de relativizarmos ou olharmos com mais ingenuidade para estas relações, por exemplo, entre escravos e escravizadores? 
JOSÉ LEONÍDIO: Qual a relação entre o escravizador e o escravizado? A exploração do trabalho sem limites. No Brasil, a população nativa, ao contrário do que os colonizadores afirmavam, era de uma compleição física que, aos olhos daqueles, eram ideais para a produção, para a exploração de ouro e pedras preciosas. Suas mulheres, as mulheres nativas, serviam à exploração sexual numa população de exploradores, quase totalmente de homens. A entrada dos africanos escravizados a partir do fim do século XVI deveu-se a resistência dos índios, principalmente os Tupinambás, orgulhosos dos seus valores. A relação entre os escravizadores e os africanos(as) escravizados(as) sempre foi baseada na rigidez. Quando lemos “Da Palmatoria ao Patíbulo”, de José Alípio Goulart (1971), temos uma noção de como era o seu dia a dia. Não tem como ter uma visão diferente quando mergulhamos neste universo, que ficou submerso na história. A temência religiosa, os castigos impostos pelos senhores e suas senhoras. Os feitores e capitães do mato, muitos frutos de relações dos senhores com suas escravas e que procuravam a pureza de sua etnia com seu embranquecimento. Acredito que não tente mostrar uma relação de ingenuidade. Quando colocamos relacionamento entre filhos de brasileiros (reinóis), aqui na etimologia lusa da palavra, o português que vinha para o Brasil para enriquecer (o sufixo eiro significa ocupação, oficio) no século XVIII/XIX, e os Mozambos, os filhos dos Reinóis, existia uma identificação grande entre estes, os Mozambos e os afrodescendentes escravizados, uma vez que eram criados juntos. A história não mostra esta relação. A própria Inconfidência Mineira teria sido deflagrada pelos filhos dos reinóis, indo de encontro à fidelidade dos pais ao reino, e a favor de uma liberdade plena e da convivência entre brancos e africanos escravizados ou seus descendentes. Grandes amores, paixões arrebatantes ficaram escondidas pela supremacia dos senhores. Nos meus relatos, tento resgatar alguns destes momentos, como, por exemplo, a trupe de mulatos intelectuais que assessoravam o vice-rei Dom Luís de Vasconcellos. Entre esses, Suzana, a representante nativa, Maria Ai Você me Mata, Maria Regalada e do Rejoulo, o pintor Manuel da Cunha, Manuela dos Bons Prazeres, o francês Frouchard, Rafael, O Anjo Negro da Quinta, Joana, o amor mórbido do Doutor Antônio Peixoto e sua amada madame Megi, e tantos outros personagens, africanos ou seus descendentes. Os africanos escravizados, sexagenários, que reflorestaram a floresta da Tijuca. Não creio que os relativizei, somente me permiti lhes conceder o direito de serem lembrados na história da “Guanabara”.
LISTAS LITERÁRIAS: 5 – De todo modo, sua grande proposta de fato é trazer esta fusão de etnias?
JOSÉ LEONÍDIO:  Sim. Todo projeto parte de uma pergunta, e a minha foi exatamente esta, quem deu origem para a Guanabara Tupinambá, e quem a conservou até hoje? A história na ótica do colonizador nos mostra uma São Sebastião do Rio de Janeiro, uma cidade construída em cima da semelhança da passagem do Rei Dom Afonso Henriques, quando este teve a visão de Jesus Cristo rodeado de Anjos garantindo-lhe a vitória em combate, na batalha de Ourique no Baixo Alentejo. A semelhança foi trazida pelo padre José de Anchieta, quando afirma que São Sebastião estava comandando as Igaras dos Teminós comandadas por Araribóia. Aqui, temos a interferência da religião na fundação da cidade, os primeiros habitantes a virem para “São Sebastianópolis” ainda no fim do século XVI, era constituída de infames, ou seja, africanos escravizados, judeus, mouros e ciganos degredados, estes estiveram muito mais próximos dos nativos que os colonizadores, seus inimigos por defenderem a terra que era sua por direito. Aos poucos esta interação foi-se fazendo e sendo constituída, na sua maioria pela transmissão oral, em nosso patrimônio cultural imaterial. Somos uma amálgama de etnias, em todos os setores representativos da nossa sociedade, esta fusão representada. Alguns exemplos podem ser citados como nossa expressão cultural maior: o Carnaval e a religião considerada originariamente brasileira, e de raiz carioca, a Umbanda, que talvez seja a maior representação desta diversidade étnica.
LISTAS LITERÁRIAS: 6 – Além disso, não podemos deixar de comentar que trata-se também de um épico sobre a cidade. E esta cidade que avança com os andares da política é também um espaço vibrante, não?
JOSÉ LEONÍDIO: A Guanabara, e é assim que vejo o Município do Rio de Janeiro, é uma cidade mítica e mística. Ela engloba dentro de si valores culturais que a fazem ser caixa de ressonância para todo o Brasil. A característica geográfica da região com seus gnaisses, que, embora moldados pela natureza, permitiram aos seus primevos habitantes, os Tupinambás, criarem seus mitos – Tupã, Iara, Jaci e Guaraci, Itahangá, ou seja, uma região mítica por formação da natureza e assumida como tal por seus habitantes. Todo esse ambiente permitiu que se criasse personagens que se misturavam a mítica e ao belo que a natureza oferecia. Por ser à época uma cidade intransponível pelas suas defesas naturais, denominada de a Veneza Brasileira ou o Éden ou Paraíso do ocidente, as principais figuras mundiais por aqui aportaram. Os grandes movimentos políticos libertários tiveram início na Guanabara. Os grandes políticos durante séculos ocuparam suas tribunas, as maiores modificações sociais e culturais tinham como elemento impulsionador, a capital da colônia, depois do Reino, da República. Falar sobre a Guanabara e mostrar ao mundo a grandeza que existe dentro dela, fundir a Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro, tirando o título Tupinambá da região, foi um golpe na história. A Guanabara é um celeiro de heróis de maior ou menor reconhecimento, ela é o berço de uma cultura que até hoje se espraia Brasil e mundo afora. Ela ressoa no marulhar de suas ondas, ressoa ao som dos surdos, que são nossos corações e que teimam em se fazer ouvir saindo dos nossos quilombos, as escolas de samba, a maior representação dessa nossa diversidade cultural. Os ritmos musicais de maior representatividade até os dias de hoje, nasceram ou nascem quase todos na Guanabara Tupinambá.

LISTAS LITERÁRIAS: 7 – Fugindo um pouco dos livros, entrando mais no processo de publicação, quais têm sido os desafios de tocar adiante este projeto? 
JOSÉ LEONÍDIO: Diria que é um samba de uma nota só. Uma ideia, uma proposta, um objetivo, tocados por um eremita literário. É muito difícil num pais como o Brasil apresentar projetos nacionais, que envolvam nossa cultura, nossa língua, nossos valores. As editoras tradicionais se interessam por autores ou obras que lhes tragam resposta financeira imediata. Os grandes best-sellers internacionais são comprados a peso de ouro para serem publicados aqui e os autores nacionais migalham para verem suas obras se tornarem visíveis. Com a modernização das edições, muitos autores que ficavam no anonimato, deixando suas obras como herança literária restrita às suas famílias, viram seus sonhos literários poderem ser realizados ao se tornarem autores independentes, livrando-se do alto custo das grandes tiragens. O universo digital possibilitou publicações por e-books e espaço para fazerem parte do portfólio das grandes distribuidoras globais, além de possibilitar pequenas tiragens, de menor custo para escritores e as editoras que os albergam. Os autores independentes começaram a ter mais campo para divulgar suas obras. Estou há 20 anos desenvolvendo o projeto A Casa dos Deuses e só depois desta modernização é que as publicações passaram a ser viáveis e divulgadas pelos sites, blogs especializados e pelas mídias sociais. Esta modernização na comunicação digital é o que está possibilitando a divulgação das obras dos autores. Acredito que a crise nas editoras tradicionais tenha a ver com o crescimento desta alternativa que viabilizou os escritores quase anônimos a publicarem suas obras.
LISTAS LITERÁRIAS: 8 – Nesse mesmo sentido, como você observa a literatura e como isso impacta em sua própria escrita?
JOSÉ LEONÍDIO: A literatura me encantou desde quando comecei a integrar a leitura à visão cinematográfica que a mesma me proporcionava. Acredito que ainda no antigo primário, nos exercícios de leitura silenciosa em que éramos obrigados a ler textos, interpretá-los e reescrevê-los. Me lembro que minhas interpretações fantasiosas dominavam meus textos, daí a professora dizer que “vivia no mundo da lua”. Acho que dele nunca me separei. Embora meu caminho profissional tenha derivado para o campo da medicina, fui exercê-la em uma unidade da UFRJ, a Maternidade Escola, onde o seu diretor e professor da cadeira de obstetrícia, Prof. Jorge de Resende, por ter sido aluno do professor Fernando de Magalhães, acadêmico da Academia Brasileira de Letras e de Medicina, muito me orientou para também mergulhar nos grandes autores internacionais. Creio que todos estes componentes, e mais a vivencia do dia a dia com as pacientes, cada uma com sua história, foi me dando elementos para inicialmente colocá-las no papel e hoje em dia no teclado do laptop. Talvez “A Raposa do Cerrado”, meu primeiro romance, seja um representativo de toda esta interação. Minha vivência participando do Projeto Rondon numa cidade do Sertão Baiano, na região de Canudos, funcionou como se fosse as minhas antigas leituras silenciosas, transformada numa obra onde o realismo mágico foi a estrada por onde caminhei, e foi a melhor maneira de demonstrar o dia a dia da região, seus costumes, sua mística, sua cultura. Do realismo mágico não mais me separei. E a “A Casa dos Deuses” é um campo fértil para desenvolver minhas obras.
LISTAS LITERÁRIAS: 9 – Como temos visto nesta conversa, suas obras demandaram um grande e longo trabalho de pesquisa, foi isso mesmo?
JOSÉ LEONÍDIO: Sim, quando você parte de uma pergunta: quem manteve as tradições tupinambás na Guanabara até os dias de hoje, a resposta não está nos compêndios, nas enciclopédias, nos livros de história. A chave que abre o baú dos acontecimentos que foram moldando nossa cultura atual está totalmente fragmentada, como se fosse um quebra-cabeça histórico, onde os fatos estão em pequenos relatos, e quando você os junta, fica próximo do que parece ser o que verdadeiramente aconteceu. Muitas vezes, se tem a narrativa na ótica da ortodoxia religiosa. Se você inverte as lentes da história sob este ponto de vista, fica mais próximo da visão do lado contrário. Minha formação médica ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ) permitiu que continuasse ligado com a academia e, mais, minha formação na área do ensino e da pesquisa. Perguntas,objetivos e respostas, foi assim durante grande parte de minha vida docente. Por ser ligado à UFRJ, transitei pelas diversas áreas, o que permitiu que adquirisse conhecimento, que me ajudaram a dar sequência no aprofundamento para conseguir a resposta a minha pergunta, quem manteve as tradições Tupinambás. Foram horas de conversas com professores da área de história, de sociologia, de literatura. Somente esta visão eclética dar-me-ia os caminhos para respondê-la. Foram 16 anos até lançar “A Casa dos Deuses – Portais da Liberdade”. Tardes e tardes no acervo mofino das teses do século XIX da Faculdade Medicina; inúmeras livrarias de livros usados (os ditos sebos) à procura de publicações não mais encontradas nos catálogos das livrarias convencionais. Muitas noites mergulhado na internet procurando relatos históricos, de obras de autores brasileiros e portugueses dos séculos XVI e XVII, XVIII e XIX. As mais raras encontramos, digitalizadas e disponibilizadas nas bibliotecas das Universidades de Harvard e Yale. O processo investigativo continua e com profundidade cada vez maior, porque quanto mais distante o século em lide, mais difíceis os relatos, porém nada que nos faça desistir do objetivo inicial, desvendar QUEM MANTEVE AS TRADIÇÕES TUPINAMBÁS NA GUANABARA ATÉ OS DIAS DE HOJE.
LISTAS LITERÁRIAS: 10 – Para encerrar, como imaginas tua obra e sua contribuição no auxílio de nossa compreensão enquanto formação de uma nação?
JOSÉ LEONÍDIO:  Um velho ditado chinês diz que toda verdade tem três lados, o meu, o seu e o verdadeiro. Não quero reescrever a história da formação cultural da Guanabara, nem tampouco tentar mostrar uma verdade absoluta. O que me proponho é fornecer primeiro uma obra literária histórica, baseada no realismo mágico, que permita que o leitor navegue por dentro dela e tenha sua visão de como foi construída as nossas tradições, sua diversidade e como, apesar de todas as censuras, restrições e torturas, não desapareceu, não foi levada na poeira do tempo, pelo contrário, criou raízes profundas. Se a pentalogia “A Casa dos Deuses” conseguir mostrar um dos lados desta verdade, se pudermos considerar nossos nativos como os verdadeiros habitantes de pindorama e mostrar que o que os colonizadores queriam era acabar com sua cultura, já me sinto satisfeito. Se os brasileiros conseguirem enxergar Aimbirê com o valor que ele merece, o grande líder Tupinambá que lutou pela preservação dos seus costumes, de seus mitos, de seu povo, estaremos resgatando uma lacuna omitida de nossa história. À luz da teologia católica,cometeu-se uma epiquéia, ou seja, omitiu-se um fato a bem da verdade, a do colonizador.

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