Skip links

10 Considerações sobre Babel, de Frederico Monteiro ou sobre mal-estar contemporâneo

Fonte http://www.listasliterarias.com/2020/01/10-consideracoes-sobre-babel-de.html

O Blog Listas Literárias leu Babel, de Frederico Monteiro publicado pela editora Autografia; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – Com Babel Frederico Monteiro estreia no romance com vigor e potência, numa publicação que chega até mesmo ser “um pecado” passar despercebida por grandes casas editoriais pois se trata de um destes raros primores da literatura, e como poucas publicações consegue captar o mal-estar e a melancolia de uma sociedade que se esfacela, um tanto resignada, um tanto incrédula e cética consigo mesma. Monteiro consegue neste trabalho captar o que mesmo autores experimentados têm encontrado dificuldade de encontrar. Um romance do Brasil de hoje;
2 – Mas vejamos quais as razões nos levam a chamar a atenção a esta interessante obra. Primeiro lugar que a despeito de estrear no gênero, Frederico Monteiro demonstra habilidades de um veterano em construir sua narrativa. De uma estética que carrega ecos de diferentes momentos de nossa literatura e com um narrador dotado de muitas virtudes, entre elas assumir-se narrador e com isso usar de todas as possibilidades na tessitura de seu enredo. É um narrador que joga com personagens e com os leitores, um narrador com claro domínio daquilo que narra e conhecedor de todas as ferramentas para tanto. Um primor de narração, carregada de certo lirismo e com a astúcia que apenas os bons narradores possuem em matéria de como a teia de aranha gruda a moscas grudar os leitores em cada página do romance;
3 – Em grande parte porque o narrador é habilidoso em transferir responsabilidades aos leitores. Em todo o romance temos a força e o poder do implícito e dos não-ditos. Há o cuidado de o narrador não afirmar, não dizer, mas sim jogar ao leitor o que pode ou não pode ser. Um narrador que não se intimida em trabalhar com as possibilidades, pode ter sido assim, mas também pode não ter sido. Além disso, um narrador erudito, doutor em muitos saberes que nos chegam com a força da simplicidade, um narrador exímio nos conhecimentos da língua, seus atalhos e suas normas, ademais um narrador que assim como todo o romance compreende que narrativas têm tanto mais poder quanto mais alegóricas podem ser;
4 – E no caso de Babel a metáfora e a alegoria são elementos centrais em sua estética. Vale dizer que usadas com sabedoria e riqueza, não por mero clichê. Aliás, a característica alegórica do romance é notada já no fato de ter-se esta ficcional e insólita cidade como quase uma personagem do romance, para além de seu protagonista, Francisco. Insólita porque Babel embora cidade mais nos soa como a alegoria de uma nação em certo estado de entorpecimento, no caso, o Brasil. Uma cidade que a narração inclusive dá tons de nação como a crucial eleição presidencial da cidade como pano de fundo e ecos das polarizações recentes brasileiras. Uma cidade maleável, por oras tão gigantescas, por oras pequenina como uma cidade do interior. Nesta cidade entregue à apatia é que perambulam suas personagens, estas quase todas – senão todas fortemente marcadas por uma melancolia agridoce impotente frente ao que se desfacela;
5 – Nesse sentido, seu protagonista, o advogado Francisco, é também uma alegoria. Uma alegoria da própria cidade em ruína. Francisco parece ecoar uma série de personagens de nossa literatura, tem um bocadinho de Naziazeno, embora os pobres diabos que surgem no romance sejam outros. A bem da verdade Fracisco incorpora o sujeito medíocre e resignado que ama a secretária, mas incapaz de resolver a questão. Aliás, Francisco opta por não resolver, é um procrastinador do desastre, que entre uma causa e outra [sempre parcas] atira-se às mil imaginações, um fantasioso que parece sempre temer o que vem pela frente. E exemplo notável da habilidade do autor é justamente que a despeito de uma estreia, entrega-nos como exige a boa literatura um personagem fosco, complexo e cheio de camadas para que seus leitores o revelem;
6 – A bem da verdade o peregrinar deste personagem pela Babel é um permanente jogo entre a esperança tênue e a melancolia entristecida de quem observa a cidade e não encontra qualquer sentido em seus comportamentos. Tal melancolia do protagonista como um dedo cavoucando feridas vai apontando para incongruências e contradições de um sistema falido. Nesse aspecto a obra então alcança notas altas de ser fruto de seu tempo, mas não fruto panfletário. O passado-presente recente deste país ecoa em tudo, vida a polarização nas eleições em Babel. Há talvez uma justificativa na escolha por uma mudança a despeito de tudo que possa representar. Na verdade a melancolia resignada do protagonista mostra como situação-oposição acaba sendo tão somente uma questão sobre qual dos polos você está. No fundo prometem o mesmo, dizem o mesmo e fazem o mesmo. Por isso, por mais que se possa tentar encontrar no livro justificativas para s acontecimentos na nação “mãe da alegoria”, a narrativa não tenta explicar as escolhas de nossa sociedade presente, mas reverberar o desencanto que as influenciaram. O desencanto grita em cada página de Babel;
7 – Mas vejamos que assim como historicamente tem sido nossa literatura, nosso desencanto quase sempre guarda um cadinho para esperança. Vemos isso em autores como J. J. Veiga e mesmo nas distopias de Loyola Brandão. Babel encerra-se com algum sopro de bons ventos, pelo menos no que se diz ao personagem transformado que acaba sendo Francisco;
8 – No entanto, se há virtudes, somos também obrigados a dizer que em seu compromisso político como narrador, este pode suscitar polêmicas e divergências, o que no campo da literatura deveria ser visto com mais naturalidade [a polêmica]. Há no todo algumas marcas conservadoras e ao mesmo tempo a tentativa de entender a sociedade mais próximo do que ela é do que suas idealizações, mas certamente as marcas mais agressivas possam estar numa aparente compra de briga contra o “politicamente correto” [embora ache que este termo esteja saturado e prejudique a discussão e o diálogo]. Temos um narrador com marcas do tempo e como se quisesse desafiar uma possível instituição do politicamente correto termos como O Moreninho a designar o atendente de Quincas e veado são usados pelo narrador. Sabemos todo o debate que isso pode gerar, contudo vale dizer que num contexto que se tenta próximo dos cheiros e dizeres da rua, contorna a narrativa de certa realidade mais gritante;
9 – Dito isto são muitas as virtudes e possibilidades de leitura desta obra, mas não poderia deixar de tratar mesmo que rapidamente de outro êxito do autor, a ambientação no judiciário e todas as suas contradições [aliás, há no fundo a discussão do conceito de justiça das massas e da sociedade e toda sua burocracia judiciária]. Por já ter participado de tribunais do juri, bem como de dezenas de sorteios para tal, sempre ressenti-me de quanto autores que adentravam a esta seara se mantinha um tanto distantes daquilo tudo. Provavelmente por sua experiência como defensor público, mas muito mais por sua alma de escritor, Frederico Monteiro não apenas descreve um julgamento, mas faz uma análise ácida do quão próximo estão os tribunais dos palcos de teatro, as encenações insensíveis aos dramas reais de famílias despedaçadas é um dos maiores valores do livro. Monteiro capta tudo isso com os olhos de jurista e de um ficcionista que é capaz de iluminar todas as idiossincrasias de um sistema [o jurídico] que assim como toda a Babel, vai de mal a pior;
10 – Enfim, Babel é uma narrativa superlativa. Quando se diz que é um pecado não estar nas grandes casas editorias não é por demérito de quem o publica, mas sim pelo fato que pela qualidade e relevância neste momento, a publicação por um selo que desse-lhe visibilidade seria importante menos para o autor e mais para leitores, crítico e acadêmicos. Babel demanda muita discussão e debate que nem sempre cabem no espaço de um post. 
   

Leave a comment

Este site utiliza cookies para incrementar sua experiência.
Explorar
Puxar