Movimentos sociais protocolam nesta terça-feira (14), um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados. No documento, as entidades apresentam 17 possíveis crimes cometidos pelo capitão reformado.
Para as organizações, desde o início do mandato, Bolsonaro “vem incidindo, de maneira grave, reiterada e sistemática em ofensas à Constituição da República. Ao adotar esse padrão de desrespeito à supremacia incontrastável do texto constitucional, o mandatário parece apostar na tolerância e naturalização de tais violações”.
Ainda segundo a justificativa das organizações, ao cometer os crimes listados, o presidente aposta na desconstrução de um projeto democrático iniciado a partir de 1988, com o estabelecimento da Constituição Federal atual.
Para as organizações, isso acaba “ocasionando graves violações de direitos humanos em diversos matizes e pondo em marcha severas ameaças à vida, à saúde, à integridade física, à higidez ambiental e à segurança alimentar de milhões de brasileiros”.
Improbidade administrativa
De acordo com os movimentos, é possível imputar a Bolsonaro o crime de improbidade administrativa, uma vez que sua atuação no governo vai contra “os princípios que norteiam a administração pública”, previstos no artigo 37 da Constituição, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Nesse ponto, os movimentos sociais descrevem de maneira detalhada algumas das atitudes de Bolsonaro que se enquadram nesses princípios, como as suas declarações de apologia à violência e à ditadura militar, como “o seu lamento perverso segundo o qual a cavalaria brasileira não teria sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios; a sugestão, ao afirmar que algumas mulheres não mereceriam ser estupradas por serem feias; o desabafo de que preferiria ver seu filho morto do que saber que ele era homossexual; a alegação de que Carlos Alberto Brilhante Ustra, o mais célebre e doentio torturador da ditadura militar brasileira, seria um herói a ser homenageado”.
Ainda nesse ponto, as entidades citam os ataques de Bolsonaro à imprensa aos críticos de sua gestão, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF), ao participar de manifestações que pediam o fechamento dessas instituições.
Também relembram a incapacidade do governo em gerir a pandemia de covid-19, o que fica expresso pela ausência de um plano nacional de enfrentamento ao novo coronavírus, pelas declarações de Bolsonaro que minimizam a gravidade da doença e pelo tratamento beligerante negligenciando a situação das populações tradicionais.
Crime de responsabilidade na área ambiental
Segundo os movimentos, o denunciado tem estabelecido um “processo de desarticulação dos principais mecanismos de defesa ambiental e incentivado uma destruição sem precedentes do patrimônio ecológico brasileiro”, o que ficou evidente logo no início do governo, quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exonerou 21 dos 27 superintendentes regionais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). Isso “inevitavelmente implicou descontinuidade das políticas ambientais levadas a cabo até então”.
As organizações também citam o ritmo inédito e acelerado de liberação de agrotóxicos sob o governo Bolsonaro. De acordo com o Ministério da Agricultura, em 2019, o Brasil atingiu o recorde de pesticidas liberados: 503 registros, um aumento de 12% em relação ao ano anterior.
Violações na área cultural
Os movimentos citam, nesta temática, a extinção do Ministério da Cultura (MinC) por meio da Medida Provisória nº 870/2019, iniciando uma verdadeira marcha ideológica de perseguição a projetos culturais que pudessem representar críticas ao Poder Executivo ou transmitir valores diversos daqueles defendidos pela base de apoio do ora denunciado”.
Outro momento em que as organizações evidenciam tal violação foi quando, em agosto de 2019, Bolsonaro criticou o financiamento público de produções relacionadas à temática LGTBI+, o que ameaçou o próprio funcionamento da Agência Nacional de Cinema (Ancine) em caso de suspensão da “liberação de recursos para essa modalidade de produções”.
Nessa toada, Bolsonaro demitiu o então secretário especial da Cultura Henrique Medeiros Pires, que, após a sua saída, acusou o governo de censura: “Para mim, isso tem nome: é censura. Se eu estiver nesse cargo e me calar, vou consentir com a censura. Não vou bater palma para este tipo de coisa. Eu estou desempregado. Para ficar e bater palma pra censura, eu prefiro cair fora”.
Violação dos direitos da população negra e das comunidades quilombolas
Neste ponto, as organizações afirmam que Bolsonaro emprega práticas criminosas ao proferir declarações e promover medidas discriminatórias, o que gera uma “forte repercussão na sociedade, perceptível no aumento dos discursos de ódio no país, assim como das ideologias nacionalistas violentas e as ideologias da superioridade racial que incitam violência contra os afro descendentes”.
Entre os exemplos, as entidades citam a fala de Bolsonaro, ainda em 2017, em um evento realizado no Clube Hebraico, em São Paulo, quando se referiu a quilombolas, com termos como “arrobas” e “procriar”, igualando-os a bichos. Em 8 de maio do mesmo ano, o atual presidente disse, em entrevista à RedeTV! que “essa coisa do racismo, no Brasil, é coisa rara. O tempo todo jogar negro contra branco, homo contra hétero, desculpa a linguagem, mas já encheu o saco esse assunto”.
Um exemplo representativo de todas essas declarações foi a nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para presidente da Fundação Cultural Palmares, para quem não existe racismo no Brasil e a escravização teria sido “benéfica para os descendentes”.
A atuação “criminosa” de Camargo na Fundação também ficou explícita com a censura de biografias de lideranças negras do site da instituição. Na época ele afirmou que, quando tomou posse, determinou “a retirada de lista de personalidades q (sic) homenageia, entre outros, Benedita da Silva e Marielle, ícones da esquerda vitimista. (…) Personalidades negras destituídas de mérito e nobreza não serão homenageadas na minhas gestão”.
Violação dos direitos dos povos indígenas
As organizações também citam a atuação do governo Bolsonaro frente aos direitos dos povos indígenas, sendo eleito com a promessa de “não demarcar nenhum centímetro de terra indígena e quilombola”. Para as entidades, isso fica explícito na Medida Provisória n. 870, que estabeleceu a reorganização dos ministérios.
Com a MP, o governo transferiu a atribuição de identificar, delimitar, demarcar e registrar as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), encabeçado pela ruralista Teresa Cristina, “cuja família tem um histórico conflito de terra com os Terena no Mato Grosso do Sul”.
Segundo os movimentos sociais, “ficou flagrante o desvio de finalidade ao transferir para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a atribuição para decidir o que será ou não terra de ocupação tradicional. Não é preciso muito esforço intelectual para concluir que tal transferência visou nitidamente a acatar reivindicação da classe ruralistas”, afirmam.
Ainda, para as organizações tal desvio está “em flagrante violação aos princípios da impessoalidade e finalidade, fundamentos da administração pública de acordo com o disposto no art. 37 do texto constitucional”.
Violação dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores
Os movimentos sociais justificam esse ponto com base em uma série de declarações e medidas tomadas por Bolsonaro. Entre elas, a fala do presidente referente à existência da Justiça do Trabalho: “Qual país do mundo que tem (a Justiça do Trabalho)? Ela tem que ser a justiça comum. Poderíamos fazer, está sendo estudado. Havendo o clima, nós podemos discutir essa proposta e mandar para frente”. Da mesma maneira, citam a Medida Provisória nº 881, de abril de 2019, conhecida como MP da Liberdade Econômica, que criou mecanismos que, segundo os movimentos, “dificultam” a fiscalização e autuação fiscal.
Na mesma toada, afirmam que medidas “ultraliberais” e “extremadas” como as tais “além de aprofundarem em demasia a linha desconstrutiva de direito e de acesso à Justiça, (…) trouxeram um elemento novo e corrosivo para o equilíbrio das relações trabalhistas e para o respeito ao Direito Constitucional do Trabalho: o esvaziamento e a implosão de instituições responsáveis pela fiscalização de condições de trabalho e promoção do cumprimento dos direitos sociais”.