Apontado por pessoas do entorno de Jair Bolsonaro (PSL) como favorito para assumir a Procuradoria-Geral da República em setembro, no lugar de Raquel Dodge, o subprocurador-geral Augusto Aras, 60, fez um aceno ao presidente afirmando estar disposto a montar uma equipe de perfil conservador se for indicado.
Aras rebateu as críticas que recebeu de bolsonaristas nas redes sociais por causa de discursos antigos que, segundo ele, foram retirados de contexto para associá-lo à esquerda. “Se eu fosse do MST [como disseram] eu estaria sentado no Supremo Tribunal Federal”, declarou.
Em entrevista à Folha de S.Paulo neste domingo (11), o subprocurador-geral criticou o julgamento do STF que criminalizou a homofobia, chamou de inaceitável a “ideologia de gênero” –expressão não reconhecida pela academia– e defendeu o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro.
“[Se for indicado] Eu começaria no plano administrativo convidando [para ser secretário-geral] o colega Eitel Santigo de Brito Pereira, que, uma vez aposentado, se candidatou [pelo PP] a deputado federal pela Paraíba e como tal apoiou o candidato Bolsonaro e fez um dos discursos mais inflamados contra o atentado [à faca] que sofreu o presidente”, disse Aras.
“É um maduro, um homem católico, um homem que, quando havia ainda alguma distinção entre direita e esquerda, poderia ser enquadrado num viés de direita. Eu o teria do meu lado e seria muito honroso que isso acontecesse.”
Aras também disse que vai convidar para a gestão, caso seja escolhido, o procurador Ailton Benedito, chefe da Procuradoria em Goiás e conhecido nas redes por seu alinhamento ao conservadorismo. Benedito teve a indicação para a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos barrada pelo Conselho
Superior do Ministério Público Federal no último dia 6.
Leia também:
Sob pressão, Bolsonaro faz maratona de audiências com candidatos a PGR
Candidatos à PGR evitam confrontar Bolsonaro após decisão sobre Flávio
As declarações de Aras vêm dias depois de ele ter sofrido críticas de simpatizantes do governo por causa de uma entrevista concedida à TV Câmara de Salvador em 2016, resgatada pela Folha de S.Paulo na quarta (7).
“Essa política do medo tem consequências desastrosas, que é o crescimento de toda […] uma doutrina de direita, uma direita radical”, disse Aras naquela ocasião.Segundo o subprocurador-geral, aquela entrevista não traduziu a posição ideológica dele, mas sua explicação da doutrina da lei e da ordem, sobre a qual havia sido indagado por ser acadêmico –professor na Universidade de Brasília.
Ainda segundo Aras, a ciência política moderna superou a dicotomia entre direita e esquerda. Questionado se hoje ele enquadraria o governo Bolsonaro na “direita radical” que criticou em 2016, Aras respondeu que não.
“Não enquadro por uma razão simples: uma coisa é se fazer um trabalho ideológico de radicalização, outra coisa é se fazer um trabalho, ainda que seja partidário, de defesa da segurança pública e da segurança nacional. Entendo que o presidente Bolsonaro vem buscando a segurança pública e a segurança nacional como valor essencial”, disse.
“Uma coisa é uma doutrina, como a posta na Hungria [com Viktor Orbán], por exemplo, essa política da lei e da ordem que está em curso em vários lugares do mundo tende ao radicalismo. Não se trata de um fenômeno brasileiro, se trata de uma doutrina que foi exposta naquele ambiente [em 2016] de perguntas acerca de diversos pontos.”
Naquela mesma entrevista, Aras citou uma frase notabilizada no Brasil como slogan de campanha do ex-presidente Lula. “Agora, mais do que nunca, a esperança precisa vencer o medo”, disse o subprocurador na ocasião.
Segundo Aras, a referência não foi ao petista. “Eu usei uma frase do filósofo Luciano, que viveu no século primeiro da era cristã, que dissera: ‘A esperança venceu o medo’. Essa frase é porque o filósofo concluiu que, para o governante, manter a esperança do povo gerava muito mais expectativa positiva do que o medo”, disse.
“Editaram também um discurso meu numa audiência pública, no ano de 2018, versando sobre a criminalização dos movimentos sociais. Pinçaram o nome MST, como se eu fosse um defensor do MST. Certamente se eu fosse do MST eu estaria sentado no Supremo Tribunal Federal, eu não estaria me rebelando contra um estado de coisas que emerge exatamente do período em que o MST esteve criando situações de desconforto para os proprietários rurais”, disparou Aras.
Questionado sobre se reconhece o MST como um movimento social, o subprocurador-geral respondeu que reconhece “todo e qualquer movimento social pelo seu conteúdo, um conjunto de pessoas em torno de uma ideia manifestada”, mas fez uma ressalva.
“Se representantes ou adeptos desses movimentos cometem crimes, atentam contra o patrimônio privado de qualquer pessoa, essas pessoas devem ser punidas civil e criminalmente. Podem até, no plano das invasões, serem repelidas pela legítima defesa da propriedade, que é uma excludente de criminalidade e pode eximir, no caso de morte, aquele que defende sua propriedade de eventual invasão e de qualquer cometimento de crime”, acrescentou.
Aras disse que, assim como aconteceu com ele, Bolsonaro tem sido alvo de edições deturpadas, e saiu em defesa de declarações polêmicas e de viés preconceituoso do presidente. “Essas edições são uma velha prática que no Brasil é tida como ilícita. O próprio presidente tem sido vítima dessas edições. Ele disse recentemente que no Brasil não tinha fome, e, na verdade, ele quis dizer, e ele disse, o contexto era no sentido de que o Brasil produz alimento para que ninguém passe fome. No entanto, o presidente sofreu uma edição dessa matéria”, disse Aras.
“O presidente também tem tido edições maledicentes em torno de outros assuntos. O caso em que ele, num contexto de informalidade, num contexto mais largo, fala de ‘paraíba’ foi um desses outros exemplos de malsinadas edições de falas do presidente”, acrescentou.
A frase de Bolsonaro em 19 de julho foi: “Daqueles governadores de paraíba, o pior é o do Maranhão [Flávio Dino, do PC do B]. Tem que ter nada com esse cara”. O termo “paraíba” é usado de forma pejorativa no Rio de Janeiro para se referir a nordestinos.
Aras afirmou que, até o momento, não houve um convite de Bolsonaro para que ele seja o próximo PGR. Em sua visão, “o presidente se mantém como um grande magistrado da República, escrutinando todos os subprocuradores-gerais, buscando em cada um aquele que lhe pareça mais coerente para o seu governo”.
Nas quatro conversas presenciais que teve com Bolsonaro, intermediadas pelo ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), Aras disse que tratou com o presidente de “assuntos da vida pública nacional, entremeados por conversas coloquiais”.
“O assunto principal foi a questão da lista tríplice, formada pela ala corporativista do Ministério Público Federal. Eleições internas para esses cargos do topo não podem se submeter ao princípio da majoritariedade por conta do toma lá, dá cá, do fisiologismo, do clientelismo, dos vícios que tomam conta do Ministério Público”, relatou.
Crítico da eleição interna para formação da lista tríplice, Aras busca ser indicado por fora, sem o voto de seus pares. A lista tríplice não tem previsão legal, mas é observada por todos os presidentes da República desde 2003.
Na disputa por fora, uma estratégia do subprocurador-geral é demonstrar afinidade programática com o governo.”Eu não concordo com certos julgados do Supremo que, por analogia, têm aplicado certas regras que somente ao Congresso compete legislar, a exemplo da criminalização da homofobia [julgada em junho deste ano]”, disse Aras.
“A Constituição reconhece a família como união de homem e mulher, e também por analogia o Supremo, dando uma interpretação conforme a Constituição, estendeu a entidade familiar às uniões homoafetivas [em julgamento de 2011]. Isso tudo encontra em mim um repúdio natural, como jurista, em que a entidade familiar, nos termos da Constituição, envolve homens e mulheres”, afirmou.
“Eu não posso, como cidadão que conhece a vida, como sexagenário, estudioso, professor, aceitar ideologia de gênero […]. Não cabe para nós admitir artificialidades. Contra a ideologia de gênero é um dos nossos mais importantes valores, da família e da dignidade da pessoa humana.”
A expressão ideologia de gênero não é reconhecida no mundo acadêmico e normalmente é usada por grupos conservadores contrários às discussões sobre diversidade sexual e de identidade de gênero.
Diferentemente, a teoria de gênero, reconhecida academicamente, dispõe que gênero e orientação sexual são também construções sociais, e não só determinações biológicas.