Skip links

Sargento reformado se torna réu por sequestro e tortura na Casa da Morte, no RJ

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) recebeu, nesta quarta-feira (14), a denúncia contra o sargento reformado Antônio Waneir Pinheiro de Lima, o “Camarão”. Ele é acusado de sequestrar e torturar, durante a ditadura militar, Inês Etienne Romeu, na “Casa da Morte”, em Petrópolis, Região Serrana do Rio. Com isso, ele se torna réu no processo penal.

É a primeira vez em que a segunda instância da Justiça brasileira entende que a tortura praticada durante a ditadura não é protegida pela Lei da Anistia, segundo o TRF-2.

A denúncia havia sido rejeitada pela 1ª Vara Federal Criminal de Petrópolis em 2017 e o Ministério Público Federal (MPF) entrou com um recurso no TRF-2, onde o caso foi julgado pela 1ª Turma Especializada.

Os magistrados consideraram, por maioria, que os crimes praticados são de lesa-humanidade e, por isso, deve-se aplicar a Convenção Americana dos Direitos Humanos — que não permite a prescrição, nem a anistia dos crimes.

Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que a Lei de Anistia era constitucional.

A desembargadora Simone Schreiber discordou da decisão de primeira instância, que não viu indícios de materialidade. No mês passado, ela pediu vista — ou seja, mais tempo para se inteirar sobre o processo — e o julgamento foi retomado nesta quarta (14).

Inês Etienne Romeu durante audiência da Comissão Nacional da Verdade — Foto: José Pedro Monteiro / Agência O Dia / Estadão Conteúdo

Única sobrevivente da Casa da Morte

Inês Etienne Romeu foi a única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis, que ficou conhecida com este nome por ser o centro de tortura e desaparecimento forçado montado pelo Centro de Informações do Exército durante o regime militar. Ela morreu em 2015.

Ao menos 18 pessoas foram assassinadas ali e seus corpos seguem desaparecidos, segundo o MPF.

Ex-líder da Vanguarda Revolucionária Palmares (VPR), foi presa e foi torturada por 96 dias. Só conseguiu escapar por fingir aceitar ser uma infiltrada. Em 1981, Inês denunciou o centro e contribuiu com a Comissão da Verdade.

A denúncia foi feita à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 1979, quando detalhou os abusos sofridos.

“Durante este período fui estuprada duas vezes por Camarão e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”, disse Inês.

As informações prestadas por Inês à OAB foram reproduzidas pelo relatório final da Comissão Municipal da Verdade de Petrópolis (CMV- Petrópolis), que pesquisou, entre os anos de 2016 e 2018, os crimes cometidos durante a ditadura na cidade.

O documento também resgata o depoimento de Camarão prestado ao MPF, em 2014, no qual ele nega as acusações de Inês, mas confessa que esteve com ela no imóvel e que era o “caseiro” da Casa da Morte de Petrópolis.

Segundo a CMV, ele tentou fugir tanto do MPF, quanto da Comissão Estadual da Verdade do Rio (Cev-Rio), mas foi encontrado no Ceará por meio de interceptações telefônicas.

Em um questionamento do MPF, que pergunta como Camarão ouviu falar de Inês, ele responde:

“Porque ela esteve presa lá [na Casa da Morte]… Quando eu tirei serviço, quando nós tiramos serviço lá. Tem uma presa e nós ficamos tirando serviço. Todas as vezes que nós íamos tirar preso… Eu acho que ela foi a que ficou mais tempo lá, aí nós sabíamos porque ela já tava com mais tempo, nós sabíamos o nome dela”, disse.

De acordo com o MPF, militares sequestraram Inês Etienne Romeu em São Paulo, mantendo a vítima em cativeiro, e a levaram no dia 8 de maio de 1971 para o imóvel conhecido como “Casa da Morte”, um centro de prisão e tortura clandestino em Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro.

Ainda de acordo com o MPF, entre 7 de julho e 11 de agosto de 1971, Camarão manteve Inês contra sua vontade dentro do centro ilegal de detenção, ameaçando-a, afirmando que a mataria, e utilizando recursos que tornaram impossível a defesa da vítima.

“Em razão de sua militância estudantil e política, Inês Etienne Romeu tornou-se alvo do governo ditatorial brasileiro, tendo sido perseguida e monitorada por órgãos de inteligência, sequestrada, presa ilegalmente, torturada e estuprada conforme demonstram várias provas amealhadas na investigação”, relatam os procuradores da República Antonio Passo Cabral, Sergio Suiama e Vanessa Seguezzi.

Casa da Morte, em Petrópolis, RJ — Foto: Aline Rickly / G1

Leia Mais

Leave a comment

Este site utiliza cookies para incrementar sua experiência.
Explorar
Puxar