Fonte http://www.listasliterarias.com/2019/09/10-consideracoes-sobre-o-fim-do-imperio.html
10 Considerações sobre O Fim do Império Cognitivo, de Boaventura de Souza Santos ou a afirmação das epistemologias do sul
O Blog Listas Literárias leu O fim do império cognitivo, a afirmação das epistemologias do sul, de Boaventura de Souza Santos publicado pela editora Autêntica; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, confira:
1 – Energizado por desejos revolucionários e sonhos utópicos, O fim do império cognitivo , a afirmação das epistemologias do sul é um convite a pensarmos as soluções para o mundo sob novas óticas e perspectivas em que o cientista social Boaventura de Souza Santos argumenta acerca do que chama de epistemologias do sul, afirmando de sua necessidade e enquanto alternativa possível para um mundo complexo, carregado de problemas e de perspectivas temerárias de um lado. Todavia, conforme veremos, neste balaio de medos, o autor procura demonstrar que as soluções para vencê-los já nos estão dispostas, demandando que tenhamos compromissos e capacidades de pensar fora da “caixa” eurocêntrica que tem movido o mundo nos últimos séculos;
2 – O livro parte da ideia de que “a reinvenção ou a construção da política confrontacional exige uma transformação epistemológica” de modo que o livro vem “questionar os alicerces epistemológicos do pensamento crítico eurocêntrico e ir além dele, por mais brilhante e magnífico que seja o conjunto de teorias que ele gerou” sendo por isso livro de contestação, que terá como alvo em grande parte o capitalismo, o colonialismo e o patriarcalismo, mas também de proposição, esta justamente a opção por outros olhares que não o das epistemologias do norte;
3 – Assim, “o argumento deste livro é que essa mudança se encontra naquilo que chamo [, no caso ele, Boaventura de Souza Santos] de epistemologias do sul” a saber que “referem-se à produção e à validação de conhecimentos ancorados nas experiências de resistência de todos os grupos sociais que têm sido sistematicamente vítimas de injustiça, da opressão e da destruição causadas pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado”. Nesse sentido, o autor revela dentre os objetivos destas epistemologias seja “seja permitir que os grupos sociais oprimidos representem o mundo como seu e nos seus próprios termos”;
4 – Para ilustrar seu conceito de epistemologias do sul, o autor ilustra com exemplos de conceitos como o Ubuntu “que requer uma ontologia de ser-com e estar-com”, o sumak kawsay, em quéchua, expressando a ideia do buen vivir e o pachamama, recentemente incluído na constituição equatoriana e que tem “a natureza não como um recurso natural, mas como um ser vivo, fonte de vida, ao qual são reconhecidos direitos do mesmo modo que aos seres humanos”;
5 – Todavia, sabendo da envergadura da proposta, o autor procura, ainda que fortemente marcado politicamente e socialmente [e aqui no sentido necessário e qualificado de tais marcas] problematizar os desafios e os problemas a serem enfrentados numa proposição deste tamanho e justamente por isso, traz os problemas e os possíveis caminhos para se afirmar tais epistemologias, sendo eles os problemas do relativismo, da autoria, da oralidade e da escrita, da luta, da experiência, da corporalidade do saber, do sofrimento injusto, do aquecimento da razão, ou o coronazar, o de como relacionar sentido e copresença, o de como descolonizar o conhecimento, bem como as metodologias através das quais é produzido, o de como criar consonantes com as epistemologias do sul, os dos quais contextos das combinações de saberes científicos e artesanais nas ecologias de saberes, quais as implicações de se ser um investigador pós-abissal, sobre o que é uma experiência profunda dos sentidos, o de como desmonumentalizar o conhecimento escrito e promover a autoria, o problema do arquivo, o da tradução intercultural, da educação popular, o de como ligar a educação popular e a universidade através da ecologia de saberes e da artesania das práticas;
6 – Vejamos, portanto, que a lista de enfrentamentos para o alcance ou possibilidade das epistemologias do sul é grande, pelos quais Boaventura perpassa nos capítulos do livro, abordando problema por problema, sendo que vale destacarmos por exemplo, que alguns deles parecem permear toda a argumentação do autor, como a presença constante no espelho do embate, por exemplo, entre a racionalidade acadêmica e o coronozar, que em termos mais simples quer dizer de como a academia poderia superar o viés frio da racionalidade científica, por exemplo, dando espaço aos sentimentos, elementos presentes nos conceitos das epistemologias do sul, assim como será constante a noção de descolonização dos saberes, algo importante numa obra de enfrentamento e de proposição de novos paradigmas;
7 – Além disso, vale destacar ainda que para este trabalho será importante a noção de “linha abissal e os vários tipos de exclusão que ela cria” tais como “a sociologia das ausências e a sociologia das emergências” conforme mostra Santos. Tal linha abissal será “a ideia basilar que subjaz às epistemologias do sul” e que “marca a divisão radical entre formas de sociabilidade”, no caso demarcada pela dicotomia epistemologias do norte/epistemologias do sul sendo que a primeira está associada à “sociabilidade colonial que caracterizou o mundo ocidental moderno desde o século XV”. A partir desta linha e da necessidade de um pensamento pós-abissal e “a luta pela emancipação social” que é “sempre um luta contra as exclusões sociais geradas pela forma atual de regulação social com o objetivo de substituí-la por uma nova forma de regulação social, nova e menos excludente”;
8 – Logicamente, por tratar-se de uma obra de enfrentamento e que exige posicionamento e compromissos de quem assume a luta das epistemologias do sul, é obra afeita ao debate e por princípio exige o extermínio da neutralidade, até porque apenas os hipócritas e os ingênuos podem crer ou fingir crer em tal coisa. Por isso, também, desde já, nosso posicionamento é da relevância das epistemologias do sul, sabendo, entretanto, como, inclusive mostra-nos a obra, é tarefa complexa, cuja adesão deve-se dar em prática, e, para tanto, há toda uma série de problemas a se enfrentar, talvez, o mais duro, o longo processo de colonização de nossas mentes, que talvez no caso brasileira, tenhamos, por exemplo, a síndrome do cucaracha como dizia Henfil;
9 – Contudo, o autor nos traz não apenas problematizações, mas também exemplos de possíveis caminhos, como o relembrar das discussões do Fórum Social Mundial, dos caminhares das Universidades Populares ou no exemplo, por exemplo, da pedagogia libertadora de Paulo Freire, que embora com suas contradições, possui elementos para as jornadas das epistemologias do sul;
10 – Para finalizar esta breve leitura da obra, retomar a ideia inicial dita aqui dos desejos revolucionários e dos sonhos que parece impregnar a aura desta obra, e mesmo que suas justas proposições venham a ser atacadas pelo de sempre, mostram uma discussão necessária marcada especialmente pela resistência dos que independentemente do utopismo creem na esperança como fonte de superar os medos, e mais do que isso, na esperança propositiva e positiva a defender, por exemplo, de que “não faltam alternativas no mundo. [Que] falta, sim, um pensamento alternativo de alternativas” que em suma é o que propõe as epistemologias do sul. Enfim, interessante leitura e revolucionária proposta e um convite aos que querem “democratizar a revolução e revolucionar a democracia”.