Fonte http://feedproxy.google.com/~r/lablogatorios/~3/WOnq7IPwPLE/
Embora sejam incomuns, existem materiais que encolhem ao ser aquecidos. Após décadas de confusão, cientistas (e um estagiário) encontraram o que leva a essa “expansão térmica negativa”.
Quem passou por uma ponte de concreto em larga escala já deve ter notado a existência de alguns vãos entre as peças que a compõem. Ao contrário do que pode parecer, isso é sinal de uma obra bem-feita, pois leva em conta um fenômeno bastante comum entre materiais sólidos: a expansão térmica. Exposto a um sol de rachar, um viaduto esquenta e o aumento da temperatura nada mais é do que a aceleração de sua estrutura molecular. Por mais sólida que pareça a ponte, seus componentes submicroscópicos estão sempre vibrando. Quanto mais vibram, mais espaço ocupam. Assim, tal como um termômetro aquecido, uma ponte sob o mormaço de um dia de verão também aumenta de tamanho — e é para acomodar essa distorção térmica que existem as juntas de dilatação, aqueles espaços entre cada parte de uma ponte ou viaduto.
De modo geral, tudo que se aquece tende a se expandir: do mercúrio do termômetro à água dos oceanos terrestres (é por isso, em parte, que o aquecimento global leva ao aumento do nível dos mares). No entanto, toda regra tem sua exceção e alguns materiais apresentam a chamada “expansão térmica negativa”: quando expostos a temperaturas elevadas, eles se encolhem.
Essa contração térmica costuma ser mais comum em materiais flexíveis, como os polímeros que formam os plásticos e borrachas. Nesse caso, imagine uma corda de violão: ao ser tocada ela vibra perpendicularmente, mas seu interior se mantém firme graças às pontas ancoradas. Coisa parecida aparece com os materiais emborrachados, que, quando aquecidos, acabam tendo suas fibras retorcidas como cordas de violão estouradas.
Mesmo que não sejam formados por fibras elásticas, alguns cristais também reagem ao calor com contração. Por quê? Esse comportamento incomum para um sólido deixou físicos e cientistas dos materiais confusos nos últimos anos. Um desses “materiais problemáticos” é um cristal conhecido como trifluoreto de escândio (ScF3). Sua estrutura está longe de ser um polímero: como muitos cristais, ele é formado por uma estrutura cúbica. Nesse caso, ao ser aquecidos, seus átomos deveriam sempre manter a mesma orientação relativa.
Esse enigma térmico foi investigado por equipes do Laboratório Nacional de Brookhaven (ligado ao Departamento de Energia dos EUA) e do Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech. Liderados por Igor Zaliznyak, de Brookhaven, os cientistas tiveram que começar por determinar com exatidão a estrutura cristalina do ScF3. Normalmente, bastaria uma espectrografia com raios-X para isso, mas o problema é que o flúor é invisível nesse tipo de procedimento. Assim, foi necessário recorrer ao SNS, um acelerador de nêutrons do Caltech. Conforme quicam entre as ligações moleculares do cristal, os nêutrons revelam sua estrutura.
Foi o estagiário
Zaliznyak e seus colaboradores sabiam que isso não bastava: também era necessário fazer as mesmas medições em diferentes temperaturas, para verificar como a estrutura cúbica do ScF3 era deformada pelo calor. Análises computacionais indicaram as inúmeras deformações possíveis mas a determinação final ficou nas mãos de David Wendt.
Na época, Wendt estava no segundo ano do Ensino Médio e era estagiário no laboratório de Zaliznyak como parte de um programa de iniciação científica entre colégios e o Laboratório de Brookhaven. Atualmente na Stanford University, Wendt trabalhou nesse projeto de pesquisa durante todo o seu estágio, enquanto ainda terminava o colegial. Como conta Zaliznyak ao Phys.org, o estagiário
basicamente reduziu os dados à forma que podíamos analisar usando nossos algoritmos, ajustou os dados, compôs um modelo para as posições dos átomos de flúor e fez a análise estatística para comparar os resultados experimentais com o modelo. A quantidade de trabalho que ele fez é igual à que um bom pós-doc faria!
Mesmo assim, David Wendt não terminou a pesquisa com um diploma de pós-doutorado — sua recompensa foi ser reconhecido como primeiro autor do artigo (de acesso aberto) publicado recentemente na Science Advances.
O que esse trabalho de estagiário revelou foi um tanto dentro do esperado: as ligações entre o escândio e o flúor não mudam muito com o aquecimento. A expansão do trifluoreto de escândio é apenas ligeira, consistente com a que se observa na maioria dos sólidos. Então o que muda e causa a contração?
O que muda é a configuração dos átomos de flúor, que se comportaram de maneira oposta ao esperado: em vez de manter distâncias fixas entre si, as posições relativas dos átomos dessa substância variavam bastante com o aumento da temperatura. Como os átomos de flúor não estavam rigidamente ancorados, sua movimentação poderia ser explicada por um modelo mais antigo, desenvolvido por Albert Einstein, que considera cada átomo separadamente. Zaliznyak explica: “como cada átomo de escândio tem uma ligação rígida com o flúor, as ‘cadeias’ de escândio-flúor que formam os lados do cubo cristalino (com o escândio nos cantos) age de modo similar às partes rígidas de um polímero.”
Em outras palavras, os átomos de flúor no meio de cada lado da estrutura cristalina funciona como uma fibra elástica ancorada pelos átomos de flúor vizinhos. Com o aquecimento, o F vibra mais solto que o Sc, puxando os cantos na direção do centro do cubo da estrutura. Assim, ao ser aquecido, um cristal de ScF3 acaba encolhendo em vez de dilatar.
Essa propriedade incomum do ScF3 pode ter aplicações úteis nas áreas médica e tecnológica. Na medicina, um material com comportamento similar seria interessante como material de obturação — ao contrário do metal usado normalmente como tapa-buracos, o dente pode se contrair ao tomar bebidas quentes, como um café. Semicondutores e linhas submarinas de fibras ópticas também podem precisar de isolantes com propriedades térmicas que acompanhem suas partes funcionais, impedindo problemas de transmissão.
Além dessas aplicações mais banais, Zaliznyak também acredita que uma arquitetura similar à do trifluoreto de escândio poderia estar presente em supercondutores à base de ferro e óxido de cobre. Nesse caso, a estrutura cristalina semi-flexível explicaria como esses materiais conseguem transmitir correntes elétricas sem resistência.
De dentes menos doloridos à supercondutividade, tudo graças aos esforços de um estagiário. Lembre-se disso na próxima vez que relegar o estagiário a servir cafezinho.
Referência
WENDT, D. et. al. Entropic elasticity and negative thermal expansion in a simple cubic crystal [Elasticidade entrópica e expansão termal negativa num cristal cúbico simples]. Science Advances , vol. 5, n. 11, 01/11/2019. DOI: 10.1126/sciadv.aay2748