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A vida em El Morro, ‘bolha’ de casas de luxo e iates que sobrevive à crise na Venezuela

Ele foi projetado para se parecer com Veneza, embora lembre mais as ilhas privadas de Miami onde moram muitos famosos.

Mas El Morro está na Venezuela, no município de Lechería, no Estado de Anzoátegui, entre as cidades de Barcelona e Puerto La Cruz, no centro-norte do país.

O Complexo Turístico de El Morro abriga uma coleção de casas enormes e vistosas, com embarcações luxuosas estacionadas numa sinuosa rede de canais.

“Na Venezuela atual, seria impossível construir um projeto assim, pelos custos de dragagem e as obras de engenharia”, diz Ysbelsy Hernández, presidente da Câmara Municipal de Lechería.

Para acessar o local, deve-se passar por controles de segurança onde vigilantes comprovam a identidade do visitante e barram quem não tiver sido convidado por um morador.

São pequenas cidades fechadas ao exterior, nas quais nota-se de imediato a riqueza dos habitantes.

Pouca gente caminha pelas ruas ajardinadas que correm paralelamente aos canais. Caminhonetes potentes transitam no local.

Casa na beira de um canal em El Morro — Foto: Guillermo D. Olmo/BBC

Embora fiquem na Venezuela, hoje assolada por uma crise econômica e política, algumas casas custam mais do que um milhão de dólares.

Em volta dali, na aglomeração urbana formada por Barcelona, Puerto La Cruz e Guanta, a chamada Grande Barcelona, a deterioração das ruas e o aspecto sofrido das pessoas lembram que esta é a Venezuela – um país que, segundo o Banco Central, perdeu quase a metade de sua riqueza nacional em só seis anos.

No passado, o litoral do Estado de Anzoátegui foi um dos grandes centros de produção de petróleo no país e um concorrido destino turístico que se beneficiava do trânsito de trabalhadores estrangeiros que atuavam nas refinarias da região. Hoje as coisas parecem ter mudado radicalmente.

“Ninguém mais vem para cá”, lamenta um manobrista em uma das principais avenidas de Puerto La Cruz.

Mesmo assim, El Morro se mantém – nas palavras do manobrista –como “uma bolha”.

Em sua casa de 186 metros quadrados, Luis Azócar confirma as qualidades de El Morro. “Aqui se vive bem e há segurança. Lechería é uma das poucas cidades nas quais se pode viver tranquilo e o crime não ataca tanto.”

Azócar, de 72 anos, vive entre sua casa em El Morro e as que mantém em Caracas e Miami. Ele diz viver de sua poupança.

Luis Azócar não tem como fazer a manutenção do veículo — Foto: Guillermo D. Olmo/BBC

Ele já teve uma empresa lucrativa dedicada à produção de asfalto, mas diz que teve de abandoná-la por causa de dificuldades impostas pelo governo após a revolução socialista de Hugo Chávez.

Hoje ele passa as tardes contemplando seus dois barcos amarrados junto à sua casa e passeando pelo pier que separa as águas do mar do Caribe e a silhueta das ilhas que formam o Parque Nacional Mochima, uma das joias do litoral venezuelano, a poucos quilômetros dali.

“Aqui só preciso ir ao jardim para estar na praia”, afirma.

Azócar recorda a ideia que inspirou o lugar. “Queriam que esta fosse a Veneza da Venezuela e que fosse o ponto de partida para a exploração turística da região.”

Foi o arquiteto Daniel Camejo quem, na década de 1970, projetou a urbanização de terrenos salinos nos quais se pretendia erguer um complexo de casas e canais que atraísse venezuelanos e estrangeiros.

Eram os anos do primeiro governo de Carlos Andrés Pérez (1974-1979), quando a nacionalização da indústria petrolífera propiciou um período de expansão econômica na Venezuela e projetos ambiciosos foram postos em marcha.

Moradores de Caracas que buscavam uma segunda residência, empregados de companhias estrangeiras que trabalhavam na exploração de petróleo e pessoas da Grande Barcelona que podiam fugir da degradação e da violência começaram a se instalar no novo condomínio.

O engenheiro Glenn Sardi foi um dos responsáveis por levar serviços ao condomínio –projeto pelo qual se apaixonou tanto que ele segue morando na casa em que construiu na região.

São 1.350 metros quadrados construídos e seis quartos, um jardim e uma piscina.

No início, ele alugou a casa a um americano funcionário de uma petrolífera, mas finalmente decidiu se instalar com a família na residência, num lugar que define como “único, irrepetível”.

Agora vê com preocupação que alguns dos problemas que afligem o resto do país também afetem o condomínio, como as falhas no abastecimento de água e eletricidade, com as quais milhões de venezuelanos tiveram de se acostumar.

“O governo não faz o que tem de fazer e nós estamos ficando sem serviços”, queixa-se Sardi, que guarda desenhos com os projetos originais de El Morro.

A crise, embora não atinja de forma tão forte, não poupou El Morro.

Azócar lamenta que a falta de peças o impeça de navegar o Guamachín, o maior de seus barcos.

“Agora há muitas casas vazias porque muita gente foi embora do país”, diz Ysbelsy Hernández, impressão confirmada pelas placas de “vende-se” fincadas em muitas propriedades.

Alguns se foram por causa da crise, como os irmãos Urbano Fermín, cuja casa em El Morro foi revistada por forças de segurança em 2017, após eles serem acusados de irregularidades em contratos com a petrolífera estatal no Orinoco, onde ocorre grande parte da extração de petróleo na Venezuela.

Segundo a imprensa local, dois dos três irmãos fugiram do país para não responder os processos nos tribunais.

A insegurança também começou a se infiltrar na “bolha”.

Talvez por isso uma mulher tenha parado sua caminhonete e pedido ao jornalista da BBC que se identificasse ao fotografar os barcos.

O centro comercial Plaza Mayor, onde antes muitos chegavam de barco, já não exibe a atividade de outrora.

Os roubos em suas instalações são uma das razões pelas quais muitos restaurantes e comércios que permanecem abertos estejam agora quase vazios.

E nos últimos tempos, segundo a presidente da Câmara Municipal, aumentaram grupos de crianças vindas de outros lugares e que cometem delitos em Lechería.

“Hoje são meninos, mas em algum dia deixarão de ser”, ela diz, preocupada.

Porém, por enquanto, quem vive em El Morro segue vendo mais luzes que sombras.

“Não sairia daqui nem louco”, diz Sardi.

“Aqui ainda se pode viver bem, se tiver dinheiro”, conclui Ysbelsy Hernández.

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