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As mulheres mostraram sua força no BBB, mas isso não significa que o feminismo venceu

Fonte https://www.huffpostbrasil.com/entry/feminismo-big-brother-brasil_br_5ea758e6c5b6a30004e6e209

O BBB 20 chegou ao fim e — de forma surpreendente para alguns — vai deixar saudade, em especial neste período de quarentena devido à pandemia de coronavírus. Thelma é a grande campeã, acompanhada por Rafa Kalimann e Manu Gavassi que ocuparam, respectivamente, o segundo e terceiro lugar no pódio do programa, que chegou a ser rebatizado de “Big Sister Brasil” em algumas situações – para destacar o protagonismo das mulheres nesta edição. O que assistimos foi a uma final completamente feminina em uma edição marcada pelo comportamento machista e abusivo de alguns participantes — e, por isso, uma final considerada simbólica.

De fato. Elas roubaram a cena, começando pelo desmonte do que foi batizado de “Teste de Fidelidade” logo no início do reality. Depois da formação do segundo paredão, as mulheres descobriram o plano de alguns dos brothers que, mesmo tendo namoradas, pretendiam seduzir quem estava comprometida com o intuito de fazer que elas ficassem malvistas pelo público — o pivô da situação foi Mari Gonzales, que contou com a defesa de todas da casa.

Essa situação deu o tom do programa. Tanto que, a partir daí, todos os homens começaram a ser eliminados do jogo, um a um. Entre eles, Petrix Barbosa, que assediou Bianca Andrade, a “Boca Rosa”, em uma das festas e teve outros comportamentos considerados abusivos — e inflamou as redes sociais. Ao ser eliminado com cerca de 80% dos votos do reality, ele foi intimado a prestar depoimento na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) do Rio.

Mulheres da casa questionam o participante Hadson após descobrir estratégia dos homens no reality.

“Boca Rosa”, inclusive, foi a primeira mulher eliminada do reality show — mas isso só aconteceu no 5º paredão. Depois dela, Gabi foi a próxima mulher eliminada. Mas isso aconteceu muito depois, só no 11º paredão. Os paredões iniciais foram formados só por homens ou compostos por dois homens e apenas uma mulher (com exceção do 5º, que foi composto por Flayslane, Bianca Andrade e Felipe Prior). 

Na formação do paredão que eliminou Hadson – um dos grandes protagonistas de episódios controversos dentro da casa – com cerca de 79,71% dos votos, Manu Gavassi fez o termo sororidade – utilizado para definir a união entre mulheres – disparar em buscas no Google em até 250%. “Eu voto no Prior por uma questão de sororidade”, justificou a cantora. Em seguida, Prior perguntou a ela o que significava o termo. “Você aprende lá fora”, respondeu Manu. 

Recentemente, o apresentador Tiago Leifert revelou, ao vivo, uma estatística que reforça o protagonismo das mulheres nesta edição, para além de episódios de machismo ou assédio: elas venceram 12 das 17 provas mais importantes da temporada do reality show. Foram as mulheres que levaram a melhor nas provas de habilidade e resistência. Os homens só venceram as provas de sorte.

Da esquerda para a direita: Hadson, Guilherme, Lucas, Felipe e Petrix - os participantes que foram eliminados um a um desta edição do reality.

Com a eliminação na reta final de Babu – que havia passado por 10 paredões, batendo um recorde de participante mais indicado à berlinda -, o chamado “Big Sister Brasil” se concretizou e o tom simbólico da final totalmente feminina fez com que, nas redes sociais, a temporada fosse nomeada como “feminista”, e houve até previsões de que “acabou o machismo” e o “o feminismo venceu.”

É importante destacar que esta é a terceira vez que o programa tem uma final composta apenas por mulheres: isso aconteceu em 2014 e 2017. Com a composição de 2020, as mulheres se equiparam aos homens no número de vencedores do programa. Ao longo destes 20 anos, eles saíram vitoriosos em 10 edições, e as mulheres, em 9 – completando 10 agora.

No entanto, parece difícil enxergar que não é porque o programa pautou discussões de temática feminista e teve um pódio só de mulheres que o programa foi feminista – e muito menos que o machismo acabou ou que o feminismo venceu de vez.

O programa mostrou que apenas uma parte da sociedade entendeu o que é assédio sexual e como este não é um comportamento aceitável. Além disso, mostrou que o que foi tão evidenciado e chamado de “feminismo” precisa, se quiser ser efetivo, considerar questões de raça e classe. Neste contexto, em rede nacional, assistimos mulheres sofrerem violência – tanto simbólica quanto física – e uma discussão foi colocada à mesa. Mas ainda assim, as participantes protagonizaram episódios de racismo no programa, em especial, contra Babu. 

Mas é preciso reconhecer: todo tipo de entretenimento que paute esses temas pode servir de ferramenta para levar questões pouco faladas para a realidade do grande público e colocá-los em debate. O ganho é exatamente este: usar um programa como este facilitar a compreensão e apreensão das pessoas sobre temas que são vistos como “tabu”.

Mas isso não significa necessariamente que um produto televisivo, como o Big Brother, será feminista. Um movimento que propõe mudança coletiva não pode ser reduzido a um produto.

Mulheres marcham no Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2019, no Rio de Janeiro.

A escritora e filósofa feminista bell hooks – se escreve assim mesmo, em caixa baixa -, no livro O feminismo é para todo mundo – políticas arrebatadoras (Editora Rosa dos Tempos, 2018), define o significado de feminismo, e talvez seja importante retomá-lo: “dito de maneira simples, feminismo é um movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão (…)”. 

Ela diz que, quando escreveu sobre teoria feminista pela primeira vez, tinha a esperança de que essa se tornaria uma definição comum do termo, “que todo mundo usaria” e diz que “gostava dessa definição porque não deixava implícito que homens eram inimigos”, escreve. Ao indicar o sexismo como o problema, ela foi bem no xis da questão. “Na verdade, essa definição deixa implícito que todos os pensamentos e todas as ações sexistas são problemas.”

A construção de bell hooks pode ser interessante para repensar a dicotomia colocada entre homens e mulheres quando a palavra feminismo está na mesa. Muitos, incluindo mulheres, ainda hoje, não se aproximam do movimento para saber do que ele se trata e do quão plural e transformador ele pode ser – em uma sociedade em que ainda, em 2020, uma mulher é vítima de feminicídio a cada 6 horas – em especial, na América Latina, segundo a ONU.

Há ainda a ideia de que feminismo é sinônimo de um bando de mulheres bravas que querem ser iguais ou estão contra os homens – algo muito diferente do objetivo de “acabar com o sexismo, com a opressão”, que em última análise é buscar por direitos iguais.

bell hooks, novamente, nos ajuda a entender que não é assim. “A diferença [entre homens e mulheres] está apenas no fato de que os homens se beneficiaram mais do sexismo do que as mulheres e, como consequência, era menos provável que eles quisessem abrir mão dos privilégios do patriarcado.”

Em conversa com Lucas e Prior, logo após o “Teste de Fidelidade” ser descoberto pelas mulheres da casa no início do reality, Babu chegou a conversar com os rapazes sobre como, enquanto homem, conseguiu se aproximar mais do movimento feminista ao parar e ouvir o que uma amiga tinha a dizer sobre.

“Eu falei: ‘sou um homem feminista’. Ela me corrigiu, dizendo que não existe homem feminista, ‘você não tem útero’. Existe homem pró-feminismo e eu estou em processo de educação, ainda mais que sou dos anos 80”, disse.

Durante o mesmo diálogo, os dois admitiram que cometem muitos erros. E Babu respondeu: “Paciência, é assim que aprende. Tomei muito na cabeça até entender tudo e ainda vou tomar. Mas estou aberto. Cala a boca. A primeira coisa que a gente tem que fazer, que é difícil, é ficar quieto e escutar. Pode até discordar, mas em um lugar de escuta, não de fala”, concluiu o ex-participante.

Mais do que definir a edição de 2020 como feminista, talvez a mensagem que tenha passado despercebida do Big Brother Brasil tenha sido exatamente esta: sentem e escutem. Para além de rechaçar o feminismo – que deve olhar para questões de raça e classe – é preciso cultivar a escuta neste caminho, por vezes utópico, de transformação da sociedade que, certamente, não é representada e não é definida em um reality show com foco no entretenimento.

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