Começa nesta segunda-feira (1º) a flexibilização da quarentena no estado de São Paulo. Anunciada na última quarta-feira (27) pelo governador João Doria (PSDB), a medida de flexibilização do isolamento social contraria as orientações dos profissionais da Saúde, que alertam para uma continuidade do crescimento do número de casos de covid-19 não somente em São Paulo, mas no país como um todo.
O governo do estado estabeleceu um protocolo de reabertura gradual que divide o estado em cinco cores, variando de acordo com o estágio de controle da pandemia. Classificada na “fase de controle” (laranja), a cidade de São Paulo foi autorizada pelo governo estadual a reabrir, nesta segunda (1º), atividades imobiliárias, escritórios, concessionárias, comércio e shopping centers. No entanto, o prefeito Mario Covas decidiu manter a quarentena até 15 de junho, autorizando que cada um desses setores reabram depois dessa data, desde que aprovem protocolos específicos de reabertura.
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Casos continuam em ascensão
Esta é a fotografia do momento em que o estado de São Paulo se encontra, quando começa a ser implementado o plano de reabertura das atividades econômicas: curva ascendente de casos do novo coronavírus, com 85% dos leitos hospitalares ocupados, uma média de 100 mortes por dia pela covid-19 na capital paulista e o isolamento social bem abaixo dos 70% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Diante desse cenário, especialistas da área da saúde, no começo da última semana, indicavam a probabilidade de o estado decretar medidas mais rígidas de isolamento, o chamado lockdown.
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No boletim do Ministério da Saúde, divulgado nesse domingo (31), o estado de São Paulo continua como o mais afetado pela pandemia no Brasil, com 109.698 casos confirmados. Os mortos já são 7.615.
A capital registrou 55.741 casos confirmados da doença e 4.116 óbitos, mas se enquadra na chamada fase 2-laranja do nível de restrição do Plano São Paulo, podendo abrir shoppings, comércio em geral, atividades imobiliárias, concessionárias de veículos e escritórios, com adequação aos protocolos de saúde elaborados pelo comitê econômico do governo paulista.
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Para o médico infectologista e presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Eder Gatti, o governo não está se pautando por critérios técnicos nem de saúde pública, mas sim por “critérios meramente políticos e econômicos”.
“Estamos falando de João Doria, que foi eleito numa plataforma liberal com apoio do empresariado, que está sofrendo com o isolamento social porque está vendo a sua rentabilidade cair. Logo ele deve estar sim sofrendo uma pressão para flexibilizar, por isso que eu acho que não se fala em lockdown em São Paulo, porque o governo está dando claras demonstrações que ele não está se pautando pela saúde”, expressa ele.
Durante a quarentena no estado, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, chegou a se reunir com empresários que compõem o Conselho Diálogo pelo Brasil, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para discutir estratégias de reabertura da atividade econômica. Em entrevista à emissora de TV BandNews, Staff chegou a fazer crítica as medidas do governo de São Paulo e afirmou que proteger a saúde ficando em casa é um “mito que se criou” – a OMS alerta que o isolamento é a única prevenção ao vírus.
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Um dia antes do anúncio de reabertura do estado, o site da Fiesp publicava a matéria “Como receber colaboradores de quarentena?”, explicando e dando orientações aos gestores de empresa como receber os trabalhadores no retorno ao trabalho. Como justificativa do conteúdo em plena quarentena, o texto afirma que atividades retornariam “em algum momento”.
Também doutor em saúde coletiva, Gatti reitera que, embora haja uma estabilização no número de casos, a curva continua crescendo e não houve nenhuma mudança significativa na política de isolamento na capital para a reabertura.
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“É como se eu dissesse assim ‘olha os casos estão acontecendo, o R-0 [índice de transmissão da doença] está maior que 1, a doença está comendo solta, as minhas UTIs estão com quase 90% da ocupação, maior do que estava no início de maio, beleza, vamos abrir’. Não faz sentido nenhum”, afirma o infectologista.
O R-0, apontado pelo infectologista, mede a taxa de reprodução da doença e para ser considerado seguro a OMS recomenda que esteja abaixo de 1. Durante o anúncio do Plano São Paulo, o próprio Bruno Covas citou que o índice da capital é de atualmente 1, no estado é 1,3 e no interior está em 1,7.
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A própria diretriz estabelecida pelo Comitê de Contingência do Coronavírus de São Paulo alertou para a gravidade de realizar a retomada neste momento. Segundo o colegiado de especialistas em saúde, para uma reabertura segura, seria preciso uma redução consistente no número de casos por 15 dias seguidos, taxa de ocupação de UTI de 60% ou menor e adesão ao isolamento social mínima de 55%. A capital paulista não atingiu nenhuma dessas condições.
“É interessante você ver as entrevistas porque eles tentam justificar o injustificável. O Bruno Covas fala que atingiu o distanciamento social quase 50%, ‘nossa esse número é maravilhoso’. Pera lá, mas até a semana passada vocês estavam falando que o melhor índice seria maior que 70%. Por que agora 50% está ótimo?”, pontua Gatti.
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Ele reconhece que as medidas de isolamento surtiram efeito na capital, mas que deveriam ter vindo com um investimento econômico maior para as famílias mais pobres e os trabalhadores informais pudessem ficar em casa durante todo o período da quarentena.
Agora fica fácil deixar a doença comer solta, porque a doença está acometendo a população mais pobre.
“A doença começou nas áreas mais ricas da cidade, lotando hospitais privados. Hoje a doença migrou para regiões periféricas. Então os hospitais privados estão mais tranquilos e agora os hospitais públicos estão cheios. As pessoas que estão indo para os hospitais são principalmente das periferias. Então agora fica fácil deixar a doença comer solta, porque a doença está acometendo a população mais pobre. A gente está vendo uma confluência de interesses, que eu acho que conspiração completamente contra a população”, avalia o especialista.
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O médico sanitarista, professor universitário, vereador e presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de Campinas, Pedro Tourinho, vai na mesma linha e considera o plano de Doria absurdo. “Considero um risco absurdo a reabertura, mesmo que parcial, de qualquer setor nesse momento. O sistema de saúde está próximo aos seus limites e o razoável a ser feito hoje seria intensificar e fiscalizar rigorosamente a adesão ao isolamento, seguir fortalecendo nossa capacidade de testagem, rastreamento e ampliação de leitos. Ao mesmo tempo, medidas de apoio econômico e social deveriam ser muito melhor instituídas.”
Ele lembrou que a Organização Mundial da Saúde estabelece critérios claros para uma flexibilização da quarentena. “A transmissão da doença deve estar sob controle, com queda sustentada por um período razoável de tempo do número de novos casos. O sistema de saúde deve ser capaz de detectar, testar, isolar e tratar todos os casos e de rastrear todos os contatos de casos positivos”, apontou. Além disso, é preciso que a população esteja bem adaptada ao novo cenário e às condições necessárias para retomar as atividades em segurança.
Classificação por região
O médico infectologista Eder Gatti critica a divisão do Plano São Paulo por regiões. Ele explica que uma mesma região possui cidades com características diferentes.
“A cidade de Presidente Prudente tem 200 mil habitantes, é uma cidade grande que tem transporte público, empresas, indústrias, etc. Mas na mesma região você tem Santo Expedito, uma cidade rural com cerca de 40 km de extensão, dá para tratar as duas da mesma forma? Não dá. Então o ideal é ter extradicionado no município”, explica.
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Pelo plano apresentado, além de São Paulo, as regiões metropolitanas ou administrativas de Campinas, Taubaté, Piracicaba, Sorocaba, Marília, São João da Boa Vista, Ribeirão Preto, Franca, São José do Rio Preto e Araçatuba também poderão reabrir shoppings, comércio em geral, atividades imobiliárias, concessionárias de veículos e escritórios.
O Plano São Paulo compreende cinco fases de abertura, da fase 1-vermelha, mais restrita, com abertura apenas de serviços essenciais, até a fase 5-azul, com abertura de todos os setores.
As regiões de Barretos, Araraquara, Presidente Prudente e Bauru poderão ir além e reabrir bares, restaurantes e salões de beleza. E não vão mais precisar de restrições nas atividades imobiliárias, concessionárias de veículos e escritórios. Eles estão inseridos na fase 3-amarela do Plano São Paulo.
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Entretanto, Tourinho alerta para o número de casos na região. “As regiões metropolitanas de Campinas e de São Paulo vêm enfrentando uma quantidade crescente de novos casos de covid-19 e de internações hospitalares pela doença nas últimas duas semanas. Nossos hospitais estão cheios. Nossas UTIs quase lotadas. Continuamos com sérios problemas na testagem e muita subnotificação.”
Gatti endossa que o número de casos da covid-19 no interior está aumentando e que a reabertura destas regiões é outro erro. “O governo afrouxou no interior, ele deu uma falsa sensação de que ‘antes vocês estavam fechados, hoje você pode abrir algumas coisas’, aí o pessoal anima e começa a achar que estão melhorando de condição e agora vão começar a abrir progressivamente. Só que na verdade isso não vai acontecer, pelo contrário, afrouxando agora em alguns lugares já estão com perspectiva que logo lá na frente vai ter que fechar.”
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A região da Baixada Santista, o Vale do Ribeira e a região de Registro estão classificadas na fase 1-vermelha, mantendo apenas serviços essenciais abertos.
Grande São Paulo
Inicialmente as demais cidades da Grande São Paulo iriam permanecer com abertura apenas de serviços essenciais até nova avaliação. Mas o governador João Doria (PSDB) cedeu a pressão das prefeituras e anunciou, nesta sexta-feira (29), uma mudança no tratamento dado à região metropolitana de São Paulo. A área, que conta com 22 milhões de habitantes, passará a ser subdividida em seis regiões – a capital paulista e outras cinco regiões. A alteração poderá liberar alguns municípios a reabrirem setores comerciais a partir de junho.
O Consórcio do Grande ABC, por exemplo, chegou protocolar pedido de reconsideração das regras de flexibilização da quarentena na região que engloba os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Rires e Rio Grande da Serra.
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Embora o especialista concorde com o argumento de que as cidades vizinhas possuam características semelhantes em relação a capital, que teve reabertura decretada desde a divulgação do plano, para ele esta justificativa deveria ter sido utilizada para o pedido de isolamento e não de flexibilização.
Eles estão pedindo a flexibilização como se fosse um benefício, mas não é
“Eles fazem esses questionamentos que eu acho burro, mas é legítimo. Eu se eu fosse um gestor sério eu questionaria porque vai flexibilizar ele, [outro município] tem que fechar ele também e não me flexibilizar. Eles estão pedindo a flexibilização como se fosse um benefício, mas não é”, ressalta Gatti.
O principal fator que o especialista aponta como argumento de que a região metropolitana deveria seguir as mesmas recomendações da capital é que em caso de colapso no sistema de saúde destas cidades, os leitos hospitalares que serão utilizados são das unidades estaduais de saúde que ficam na capital e são contabilizados na capital. Segundo dados do estado, na região, de forma geral, a taxa de ocupação de leitos de UTI está em 83,1%.
Tragédia anunciada
Gatti alerta para a intensificação do ciclo da covid-19 que a flexibilização das medidas de isolamento social pode provocar. Ele explica que com a circulação de pessoas haverá maior transmissão do vírus, consequentemente um de aumento de casos, aumento de casos graves e necessidade de internação hospitalar até chegar ao colapso no sistema de saúde e ao aumento de óbitos.
“Vai acelerar a ocorrência de casos, quando a gente entrar em colapso as pessoas vão ficar sem assistência. Uma coisa é você pegar a doença, ficar grave e ir para o hospital, a chance de você morrer é uma. Agora se você ficar doente grave e não tiver hospital a chance de você morrer é maior”, pontua o infectologista, que explica que esse quadro pode ser sentido em duas ou três semanas.
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Para ele, existe um grande risco de São Paulo apresentar um quadro de colapso de saúde e óbito iguais as cidades de Manaus e Belém, onde o sistema de saúde mais precarizado representou um número elevado de vítimas fatais por covid.
“Se o governo for minimamente responsável é possível que num dado momento ele [Doria] decida por implementar o lockdown. Só que isso aconteceria por uma pressão sanitária muito grande, que vai superar a pressão do setor econômico. Eu espero que a gente não chegue nesse cenário, espero que eu esteja errado. Porque até agora a gente só estava falando da grande São Paulo, só que a gente vai aumentar as ocorrências na grande São Paulo e no interior, que está abrindo mais, então pode ser que essas crises separando capital e interior confluam e se isso acontecer vai ser uma tragédia”, afirma.
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Devido ao ciclo de infecção do novo coronavírus ser em média de uma a duas semanas, os impactos da reabertura do estado e da capital paulista só deverão ser sentidos daqui duas ou três semanas.