Passar algumas horas na companhia de Costanza Pascolato, no dia seguinte ao seu aniversário de 80 anos, é como adentrar um universo vasto, que vai muito além de seu inegável conhecimento sobre moda. Impecável e sem um fio de cabelo fora de seu penteado clássico (todos os dias são duas horas para se arrumar, o que é feito sem penar), Costanza nos abriu a porta de sua casa, que nesta manhã está superflorida: ela recebeu cerca de 70 arranjos, que enfeitam a sala vermelha repleta de móveis antigos, relíquias de família.
Antenada com o universo on e muito mais com o off, leitora assídua de pesquisas, Costanza contabiliza 629 mil seguidores, dificilmente passa sem ser notada e até foi apelidada, por suas filhas, de Mickey Mouse – apelido que entendi ao presenciar, no Ici Bistrô, em Higienópolis, três pessoas se dirigirem a ela durante o almoço comigo. Como se fossem súditos pedindo a bênção.
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Costanza nasceu em Siena, a primogênita de Gabriella e Michele Pascolato. Seus pais se conheceram três anos antes, em Veneza, cidade de Michele, onde foi criado em um palacete clássico, no Grande Canal. Na ocasião em que se conheceram, Gabriella, contra o que todos a diziam, viajou de Florença (onde concluiu os estudos) para ter uma entrevista na tradicional universidade Ca’Foscari. Do encontro, conheceu Ida e Michele Pascolato (futuros sogra e marido, respectivamente). Após alguns anos de casada, graduou-se em Filosofia e Religiões Comparadas.
Sua família deixou a Itália durante a Segunda Guerra Mundial, quando Costanza tinha 6 anos de idade. Em seu livro recém-lançado A Elegância do Agora, o episódio é narrado em detalhes: junto de Gabriella e Michele, seus pais; Alessandro, o irmão mais novo; e Blanche, a governanta franco-suíça que a acompanhou durante mais de 60 anos, cruzaram a fronteira em Chiasso, cidade suíça mais próxima da Itália. O pai ficou para trás: Michele foi retido pelos policiais italianos, os carabinieri. Em dezembro de 1945, reunidos novamente, a família embarcou em um navio na Espanha que os traria ao Brasil. “Fomos muito bem recebidos pelos italianos que já estavam aqui, como a família Matarazzo. Eles tinham vindo na primeira leva de imigração, ocorrida na metade do século 19”, lembra Costanza.
Foi aqui que a visionária Gabriella fundou a Santacostancia, fábrica de tecelagem especializada em seda (que não era fabricada no Brasil) e tecidos diversos. Mais de 70 anos depois, a família segue no comando da fábrica, encabeçada pelo presidente Alessandro Pascolato. Atualmente, Costanza presta consultoria para a fábrica.
Além disso, de “trabalhos fixos”, mantém sua coluna na revista Vogue, colabora há 25 anos com a joalheria H.Stern e presta consultoria ao e-commerce Shop2gether.
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Do primeiro casamento, com o americano Robert Blocker, tem duas filhas: Alessandra e Consuelo Blocker, que vive em Florença, onde Costanza passa um longo período todos os anos. É também avó de Cosimo, de 26 anos, baseado em Milão, e Allegra, de 24, que faz faculdade em Nova York, ambos filhos de Consuelo. “Eles são as minhas maiores paixões”, confessa a avó. O amor não aparece só nas palavras; está em suas duas mãos também: os anéis de caveira, da loja parisiense Abraxas, localizada na Rue du Marché Saint-Honoré, foram presentes dos netos. “Ganhei o primeiro do Cosimo, e a minha neta, com ciúme, me deu o segundo um tempo depois.”
O salto de Costanza para mergulhar na moda aconteceu ao se divorciar, aos 35 anos. Momento em que fez as malas do Rio de Janeiro para São Paulo – hora de viver com seu grande amor, o italiano Giulio Cattaneo della Volta. Permaneceu casada até 1990, ano no qual, após um infarto de Giulio, ficou viúva.
Do ponto de vista profissional, começou a carreira na revista Claudia, em 1975. Permaneceu na Editora Abril até 1988. “Nos anos 1980, não existia internet. Comprei muitos livros porque viajava bastante para os fashion weeks. O futuro da moda aparecia nesses livros. Eram filósofos, historiadores e gente que lida com temas de desenvolvimento da sociedade. James Laver estudou tecnicamente os movimentos de moda, e ele dizia o
seguinte: ‘A moda nada mais é do que o reflexo no espelho de um momento histórico e de um comportamento dessa época’, o que acho impecável”, comenta a especialista.
Do ponto de vista profissional, começou a carreira na revista Claudia, em 1975. Permaneceu na Editora Abril até 1988. “Nos anos 1980, não existia internet. Comprei muitos livros porque viajava bastante para os fashion weeks. O futuro da moda aparecia nesses livros. Eram filósofos, historiadores e gente que lida com temas de desenvolvimento da sociedade. James Laver estudou tecnicamente os movimentos de moda, e ele dizia o seguinte: ‘A moda nada mais é do que o reflexo no espelho de um momento histórico e de um comportamento dessa época’, o que acho impecável”, comenta a especialista.
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Reconhecida mundo afora, Costanza tem um estilo que se adapta à passagem dos anos. “Sempre gostei da mistura entre peças do guarda-roupa feminino e masculino, peças estruturadas. Nos anos 1980, entrei de cabeça no preto e estilo japonista, com peças desestruturadas. Gostei disso, de uma maior liberdade. Hoje tenho uma pegada quase streetwear: o tênis e, no lugar do blazer, jaquetas e até capuz. Isso tem muito a ver com a deselitização e o street style. Também gosto muito da linguagem do Vale do Silício, de adotar uma espécie de uniforme, como o normcore [que não é pautado por tendências nem segue a moda]”. Sobre o que nunca usaria na vida, é categórica: “Peças justas e exageradas, com muita informação, não me agradam.”
Do ponto de vista profissional, começou a carreira na revista Claudia, em 1975. Permaneceu na Editora Abril até 1988. “Nos anos 1980, não existia internet. Comprei muitos livros porque viajava bastante para os fashion weeks. O futuro da moda aparecia nesses livros. Eram filósofos, historiadores e gente que lida com temas de desenvolvimento da sociedade. James Laver estudou tecnicamente os movimentos de moda, e ele dizia o seguinte: ‘A moda nada mais é do que o reflexo no espelho de um momento histórico e de um comportamento dessa época’, o que acho impecável”, comenta a especialista.
“Cansei de ficar muito notória”
“Eu amadureci com 61 anos. Tive esse click. Até os 60 anos, você é jovem. Depois fica adulta. Eu tinha ficado viúva do meu segundo marido, que era a pessoa que eu gostava, e gostaria de ter envelhecido junto. Ali, casada com Nelsinho [o jornalista Nelson Motta], comecei a pensar que não queria estar mais naquela história”, conta.
Após algum tempo, já durante o almoço, volta a falar sobre o processo. “Comecei a ficar muito notória. Toda semana tinha uma foto minha, uma coluna, e não era algo a que estava acostumada. Me lembro muito bem. Estava na sala da minha casa, na janela, e pensei: ‘Esse negócio está esquisito, não sou essa pessoa’. Aí, em 1998, comecei a entender o que é o ego. Ainda não tinha a noção de que o raciocínio não faz parte de sua espiritualidade. Não podemos nos aprisionar por ele. O ego é aquilo que você é agora, e daqui a pouco não é mais.” Desde 2001, quando se divorciou, Costanza nunca mais se relacionou de forma amorosa com ninguém. “Eu sou assim”, resume.
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Para ela, não há sentido em perseguir a juventude eterna, “aquilo que você já foi”. Nunca fez nenhuma plástica ou procedimento estético. Adapta-se, ano após ano, às mudanças em seu corpo e em seu rosto. “Eu vivo em plena liberdade porque não dependo de ninguém. Apenas da energia para me dar saúde, e agora, passado o lançamento do livro e do meu aniversário, eu gosto de fazer as coisas como se fosse um jogo de xadrez. Gosto da rotina, do day by day.”
Questionada sobre o que faria na sequência, se existe algum tempo livre, responde rapidamente (sem, é claro, perder o tom de voz baixo característico): “Estou louca para ver a minha neta em Nova York [a cidade é um de seus lugares preferidos no mundo], mas as minhas filhas estão lançando um livro agora em dezembro, O Fio da Trama, que esmiúça os diários da minha mãe desde os 17 anos até a fundação da tecelaria, em 1948”. É, de fato, uma mulher impecável e disciplinada. Porém, nada rígida. Tudo que pontua é natural, é intrínseco, é simplesmente ela. E, assim como abriu a porta na chegada, também o fez na hora da minha saída – embora eu quisesse seguir com ela, ouvindo histórias a tarde inteira.
“O ego é aquilo que você é agora, e daqui a pouco não é mais.”
Reportagem publicada na edição 72, lançada em novembro de 2019
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