A arte está presente em nosso dia a dia de diversas formas, mas uma reflexão importante é que não se trata apenas de entretenimento. Mais que nos divertir, música, pintura, escultura, dança, teatro e outras linguagens artísticas pode transformar a realidade.
Uma experiência é a do Centro de Referência Integral de Adolescentes – CRIA, organização não governamental sem fins lucrativos, que existe desde 1994. O CRIA foi criado pela professora Maria Eugênia Millet, e trabalha com adolescentes a partir da metodologia da arte-educação, mais especificamente através do teatro. Tem como objetivo central a garantia de direitos de crianças e adolescentes da cidade de Salvador.
Carla Lopes, Diretora de Artes do Centro de Referência, diz que a atuação do CRIA está focada em comunidades populares, hoje com 60 jovens na casa, divididos em três grupos de teatro, cada grupo com uma temática específica, como enfrentamento ao extermínio da juventude negra, educação para a diversidade, e enfrentamento ao tráfico de seres humanos para fins sexuais. “A gente procura ‘cercar’ o adolescente, conhecê-lo e trabalhar em diversas dimensões, porque a educação é um processo que não é só o momento em que está na sala, tenta estar perto da família, acompanhando a escola, incentivar o consumo à cultura, espaços coletivos, em que eles possam descobrir sua voz e representar”, pontua.
A diretora explica que a metodologia de arte-educação é baseada nos princípios de acolhimento, escuta, orientação e revelação. “Após a identificação, ele passa a integrar o CRIA, a gente acolhe, tem a escuta sensível, orientação e revelação através da arte, tudo isso num processo de teatro, de jogos, dinâmicas, pesquisas, trabalho, muito exercício de fala, de visitação a espaços públicos, museus, saídas culturais, teatro, cinema, pra que ele possa ter a possibilidade de escolha”, ressalta.
São 26 anos de trabalho do CRIA e os resultados são significativos. Jovens que passaram pelo centro, ingressaram em diversas áreas seja na carreira artística, teatro, TV, música, educadores em escolas públicas, grupos firmados de atuação comunitária em diversos bairros, número alto de jovens ingressando, permanecendo e concluindo cursos em universidades e faculdades.
É o exemplo de Fernanda Silva Nogueira, atriz e professora, que ingressou no CRIA com 14 anos, e essa foi a primeira vez que subiu em um palco ‘oficial’ de teatro. “Eu iniciei a minha carreira no CRIA. Foi o lugar onde aprendi a fazer teatro, a estar em cena. E nunca mais saí. Com o teatro do CRIA eu construí meu projeto de vida, descobri a minha identidade de mulher, negra, nordestina, lésbica, candomblecista. Aprendi a conviver em grupo, a respeitar as diferenças e o tempo do outro, segredo das relações interpessoais. Foi o teatro que me formou cidadã”, destaca.
A experiência de Fernanda no CRIA desenhou o seu futuro. “Com 18 entrei no curso de licenciatura em teatro na UFBA. A primeira da família numa universidade pública. Fui ser a professora que comecei a ser no CRIA, já que uma das contrapartidas da instituição era multiplicar os conhecimentos apreendidos lá dentro. E assim eu fazia na minha comunidade e logo depois nas escolas em que comecei a estagiar. Me formei com 21 e voltei ao CRIA como arte educadora. Agora com 29 anos estou no último ano do mestrado no programa de pós graduação em artes cênicas da UFBA”, conclui.
Carla enfatiza ainda que o maior desafio do CRIA hoje é a sustentação do projeto. “Os apoios estão ‘fugindo’ cada vez mais, parece que não é interessante apoiar esse tipo de trabalho empoderador, focado e centrado no jovem. A gente tem levado com muita dificuldade e num processo de troca de governo pra cá tem ficado cada vez mais difícil fazer arte-educação com essa população”, finaliza.