Fonte https://www.huffpostbrasil.com/entry/bate-boca-bolsonaro-mandetta_br_5e990605c5b6a92100e4bf74
O ‘divórcio consensual’, como o presidente Jair Bolsonaro definiu a demissão de Luiz Henrique Mandetta, foi selado em uma reunião no Palácio do Planalto com bate-boca e tom de “lavação de roupa suja”. O embate final, nesta quinta-feira (16), ocorreu após nova escalada de tensão entre os dois, iniciada depois de Bolsonaro se queixar a aliados sobre o protagonismo do então ministro da Saúde no combate à pandemia de coronavírus.
Certo de sua demissão desde o início desta semana, Mandetta já havia informado à equipe que seria tirado do cargo em breve, mas foi surpreendido com um chamado no meio da tarde desta quinta ao Planalto. Lá, informado de sua demissão, disse ao presidente que ele teria que arcar com as várias mortes que “vão ocorrer”, por adotar posições e discursos contrários ao isolamento social ― recomendados para a redução da curva de contágio de coronavírus não só no Brasil, mas em vários países.
Irritado, o presidente reagiu. Disse que a “conta” não poderia ser dele e que nunca deixou de se preocupar “com a vida das pessoas”. A mesma fala foi repetida pelo presidente à imprensa minutos depois do encontro com Mandetta.
Na lavação de roupa suja, Mandetta também cobrou o presidente por ter afirmado que lhe faltava “humildade”. Desde o início da crise do coronavírus, o presidente se irrita com o protagonismo de Mandetta, que se refletiu no aumento de sua popularidade. Pesquisa Datafolha de 3 de abril apontou que a aprovação do então ministro (76%) havia alcançado do dobro da do presidente (33%).
Discussões entre os dois estavam sendo constantes. Há cerca de duas semanas, houve bate-boca em uma reunião no Palácio da Alvorada, na frente de outros ministros. Na mesma semana, logo após Bolsonaro ter falado que Mandetta deveria ter humildade e ouvi-lo mais, os dois se falaram por telefone. Na ligação, o então titular da Saúde ouviu que deveria pedir demissão e respondeu: “o senhor que me demita”.
Os dias seguintes a esse diálogo foram de instabilidade. Uma hora era dada como certa demissão de Mandetta; em seguida, já não era mais. Em um dos episódios da crise, o deputado Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania, chegou a dizer a governadores que havia sido indicado para assumir o ministério. Neste mesmo dia, Mandetta avisou a equipe que estava de saída.
Depois do esforço da ala militar para segurar o titular da Saúde no time, ele afirmou que ficaria, que “médico não abandona o paciente”, em referência ao País. No entanto, embora houvesse um amplo trabalho de aliados para minimizar os atritos, eles seguiram.
No domingo (12), após o presidente ter desobedecido orientações de evitar aglomerações do ministério e ter frequentado a mesma padaria que Mandetta costuma ir, o ainda ministro concedeu uma entrevista ao Fantástico. Na TV Globo, emissora alvo de Bolsonaro, Mandetta alfinetou o chefe. Disse que o brasileiro não sabe se escuta o ministro ou presidente.
Como disse Bolsonaro nesta quinta (16), ”ao longo desse tempo a separação cada vez mais se tornava uma realidade”. Nesta semana, Bolsonaro intensificou a busca por um sucessor. Afirmou a aliados que desejava encontrar um nome considerado “incontestável” para substituir o subordinado, devido à popularidade de Mandetta.
Ao anunciar à imprensa a mudança de configuração na Esplanada, Bolsonaro baixou o tom. Em vez da troca de farpas, evitou polarizar e foi cortês. Afirmou que a divergência entre os dois se deu na diferente avaliação sobre o impacto da crise na economia e no desemprego.
“Ele tem direito de defender seu ponto de vista como médico. E a questão de entender também o emprego não foi da forma como o chefe do Executivo achava que deveria ser tratado. Não condeno, não recrimino, não critico. O ministro Mandetta fez aquilo que, como médico, achava que deveria fazer.”
O então titular da Saúde se antecipou ao presidente e anunciou no Twitter que havia sido avisado de sua demissão. Logo após a reunião entre os dois, Mandetta convocou uma coletiva de imprensa para fazer o comunicado e se despedir. No mesmo horário, o presidente fez o mesmo. Minutos após Mandetta iniciar sua despedida, Bolsonaro apresentava a jornalistas no Palácio do Planalto o médico Nelson Teich como novo ministro da Saúde.
Mandetta, que havia sido convidado para ocupar postos tanto no governo de São Paulo quanto no de Goiás, deixa o ministério para assumir o cargo de conselheiro em saúde do DEM, seu partido. Ele já desempenhou função parecida. Em 2018, então deputado, não quis tentar a reeleição e ajudou a elaborar as propostas da área de saúde no programa de governo do então candidato ao governo de Goiás Ronaldo Caiado, seu correligionário.
Até que Teich se familiarize com a engrenagem do Executivo, Mandetta e sua equipe seguem na pasta neste período de transição. Na sua despedida, o ex-deputado enalteceu os colegas e pediu apoio para os próximos dias.
”Trabalhem para o próximo ministro tal qual vocês trabalharam para mim. Ajudem. Não meçam esforços. Desdobrem os seus esforços para que eles tenham o melhor espaço possível para trabalhar. Alertem, conversem, dialoguem. Vocês sabem fazer isso.”
A intenção do ex-ministro, alinhado com o presidente, é evitar uma mudança brusca na política pública. Mandetta tem defendido a manutenção de quadros técnicos do ministério. A expectativa, no entanto, é que titulares de postos de comando deixem o ministério junto com o agora ex-ministro.