Fonte https://www.huffpostbrasil.com/entry/gilmar-lava-jato_br_5d95116ae4b0da7f6620f8ca
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes aproveitou seu voto na tarde desta quarta-feira (2) no julgamento do recurso que pode anular sentenças da Operação Lava Jato para apontar, segundo disse, “abusos que vêm de longe” na investigação.
Pautado especialmente pelas revelações que vieram à tona após as reportagens do site The Intercept, que desvendaram troca de mensagens entre os integrantes da força-tarefa em Curitiba e também o então juiz responsável, Sérgio Moro – agora ministro da Justiça e Segurança Pública, o magistrado classificou como “instrumento de tortura” as prisões provisórias implementadas pela operação.
“Hoje se sabe de maneira muito clara, e o Intercept está aí para confirmar e nunca foi desmentido, que usava-se a prisão provisória como instrumento de tortura. Isto aparece hoje nestas declarações do Intercept. Feitas por gente como [Deltan] Dallagnol. Feitas por gente como [Sergio] Moro”, disse Gilmar Mendes.
O Brasil viveu uma era de trevas no que diz respeito ao processo penal;Gilmar Mendes, ministro do STF
Mendes disse que a ordem em que as operações seriam realizadas era deliberada por Sergio Moro e completou: “Parece não haver dúvida de que o juiz Moro era o verdadeiro chefe da força tarefa de Curitiba”.
O ministro ressaltou que tem afirmado sua preocupação com a questão desde 2015, quando o ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em 2017, era relator da Lava Jato no STF. Para ele, já então, “a prisão estava parecendo antecipação da execução”.
Mendes seguiu sua fala mencionando trocas de mensagens reveladas em série de reportagens do Intercept e apontou episódios em que colegas da Corte foram citados em conversas de procuradores pelo Telegram. Destacou, por exemplo, que a ministra Cármen Lúcia foi chamada de “frouxa”, que houve uma troca de mensagens em que se dizia “aha, uhu, o [Edson] Frachin é nosso”, e outra com “In Fux We Trust”. “Eram gângsters no comando da investigação”.
Toma lá, dá cá
Em entrevista ao HuffPost, o ministro Gilmar Mendes já havia criticado a Lava Jato. Disse que a operação criou uma cultura em que o juiz “é um pouco sócio da investigação”.
Em outra ocasião, sobre o procurador Deltan Dallagnol e informações reveladas através das mensagens trocadas entre os procuradores da força-tarefa, afirmou à reportagem que não se surpreenderia se eles falsificassem documentos “utilizando-se do meu nome junto a instituições financeiras estrangeiras”. Para o ministro do Supremo, os procuradores “os investigadores se transformaram em integrantes de uma organização criminosa”.
Antes mesmo do que ficou conhecido como Vaza Jato, Gilmar Mendes já era um crítico contumaz da operação.
Em março deste ano, quando o Supremo analisava se a Justiça Eleitoral era competente para julgar crimes comuns com conexão com crimes eleitorais, o ministro usou termos como “cretinos”, “desqualificados”, “despreparados”, gentalha”, “esse tipo de gente”, para se referir aos procuradores.
Ao comentar investigação de auditores da Receita Federal contra ele e sua esposa, Mendes mais uma vez criticou os procuradores, especialmente Dallagnol. “Isso não é método de instituição, é método de gângster”, afirmou na ocasião.
Em junho, logo após o início dos vazamentos, falou em tom de ironia durante uma sessão em ”último escândalo da República de Curitiba”.
Julgamento
O voto de Gilmar Mendes foi um dos 7 favoráveis em garantir que o réu delatado tenha direito de falar por último para se defender das acusações. Outros 4 ministros ministros foram contrários. A maioria formada impôs a maior derrota que a Lava Jato já teve nesses cinco anos de operação.
O julgamento, entretanto, não foi concluído. Nesta quinta-feira (3), os ministros retomam as discussões para definir a abrangência da decisão. Se válida para todos casos, significa que 32 sentenças que envolvem 143 dos 162 réus da operação serão revistas.
Há, no entanto, um entendimento para delimitar os efeitos da decisão da Corte. O recurso em análise pelo plenário se baseia na decisão que anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine.
Ele teve sua sentença anulada após julgamento na segunda turma do STF em agosto. A defesa de Bendine argumentou que a Justiça abriu ao mesmo tempo o prazo para o delator e delatado se manifestarem e isso não permite ao delatado ter conhecimento prévio das acusações para se defender.
O colegiado concordou com a defesa e impôs à época a primeira derrota à Lava Jato. Em seguida, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, afirmou que a decisão do STF representa um retrocesso ao combate à corrupção.
Depois de Bendine, outros réus apresentaram queixa semelhante ao tribunal. O julgamento em pauta foi motivado por um recurso apresentado pelo ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, réu na operação.