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Negro, brilhante e disforme, um fragmento mineral descoberto perto de Pompeia teria sido formado a partir do cérebro de uma vítima da erupção do Vesúvio
Na manhã de 24 de agosto de 79, quando o Monte Vesúvio explodiu, o guardião do Collegium Augustalium ainda estava na cama [1]. Seu corpo seria encontrado quase um milênio mais tarde, em 1960, durante as escavações feitas em Herculano. Cidade menor mas mais popular que Pompeia, Herculano foi coberta com uma camada de 16 metros de lava derretida. Apesar do nome, o Collegium não era uma escola e sim um centro de culto ao imperador Augusto.
Dentro do crânio daquele guardião ainda anônimo, foi descoberta uma pedra muito bonita. Negra e brilhante, quase uma joia em estado bruto. Agora, sabe-se que essa beleza é justamente fruto das condições extremas que deram fim à vida daquele funcionário romano. Ao analisar o fragmento mineral, pesquisadores das Universidades Federico II (Nápoles, Itália) e de Cambridge (Reino Unido) perceberam que sua origem seria orgânica.
Liderados por Pierpaolo Petrone e em colaboração com o CEINGE, um centro de biotecnologia napolitano, os cientistas confirmaram a presença de restos de proteínas e ácidos graxos originários de cabelos e tecidos cerebrais humanos. Conforme boletim divulgado pelo Parque Arqueológico de Herculaneum, “o calor elevado foi literalmente capaz de queimar as gorduras e tecidos da vítima, levando o cérebro a fica vitrificado.” A descoberta foi descrita em artigo recém-publicado na revista New England Journal of Medicine.
A vitrificação de minerais durante erupções vulcânicas não é incomum. Mais raro, porém, é o mesmo fenômeno em material de origem orgânica. Nesse caso, estimam os pesquisadores, duas condições foram necessárias. Primeiro, o aquecimento a elevadas temperaturas, causado pelos gases da erupção. Queimada a cerca de 520º. C., a cabeça daquele pobre guarda foi fritada na própria gordura, com os tecidos úmidos vaporizados instantaneamente. Em seguida teria havido uma rápida queda da temperatura, causando a vitrificação do que sobrou dos miolos da vítima. Esse resfriamento rápido, porém, ainda precisa ser esclarecido.
Além dessa descoberta solidamente insólita, os cientistas também revelaram as ligações familiares entre outras vítimas que também moravam em Herculaneum. Com base no DNA recuperado de dez corpos, foi identificada uma família formada por sete mulheres e três homens. Os indícios genéticos apontam para uma origem no Oriente Médio, o que pode significar que essas vítimas eram uma família de escravos.
E o cérebro vitrificado? Embora sua identidade tenha sido feita com base no local onde o corpo foi encontrado, nada garante que ele seja, de fato, um funcionário público romano. Seria algum parente da família de escravos encontrada nas proximidades, que se escondeu no quarto do patrão? Ou seria o próprio patrão? Para Petrone, essas perguntas só podem ser respondias com uma análise genética. Por isso, o próximo passo dessa pesquisa é tentar achar algum DNA nesse material. Antes, porém, seria necessário reaquecê-lo, liquefazê-lo e só então ver se há ou não algum restinho de material genético nesta joia cerebral.
Nota
[1] Embora a data de 24 de agosto seja tradicionalmente indicada como o dia da erupção desde o século XVI com base na interpretação das cartas de Plínio, o Jovem, há crescentes evidências de que o desastre teria acontecido posteriormente, em algum momento entre setembro e outubro ou novembro de 79. Entre estas evidências, listam-se as descobertas de restos de frutas, alimentos e vestuários outonais, além do padrão de ventos que espalhou as cinzas — vide, por exemplo, Stefani, Grete. La vera data dell’eruzione. Archeo (Outubro de 2006). Sabe-se que a erupção durou dois dias mas a hora exata de seu início também é desconhecida. Para fins de simplificação dramática, adotamos aqui a manhã de 24 de agosto mencionada convencionalmente.
Referência
Pierpaolo Petrone et al. Heat-Induced Brain Vitrification from the Vesuvius Eruption in c.e. 79 [Vitrificação cerebral induzida por calor da erupção do Vesúvio em 79 E.C.], New England Journal of Medicine (2020). DOI: 10.1056/NEJMc1909867