Fonte https://www.huffpostbrasil.com/entry/little-fires-everywhere_br_5ed7e298c5b6f07428241963
Em um momento em que se discute tanto o racismo e o privilégio branco não apenas nos Estados Unidos — onde agora mesmo milhares de pessoas vão às ruas para protestar contra o assassinato covarde do segurança negro George Floyd por policiais brancos na cidade de Mineápolis —, mas em boa parte do mundo, Little Fires Everywhere vem muito a calhar.
A minissérie começou a ser comparada à Big Little Lies, da HBO, logo que foi lançada, no final de maio, no catálogo do Amazon Prime Video, mas a comparação não é das mais precisas.
É verdade que temos Reese Witherspoon em um papel que lembra a Madeline de BLL, mas a dona de casa/jornalista Elena Richardson traz mais nuances, e aqui temos a personagens negra, Mia Warren (Kerry Washington), que faz um contraponto ao privilégio branco que a cerca muito mais forte que o da Bonnie de Zoë Kravitz na série da HBO.
Washington, aliás, é uma das boas surpresas da minissérie baseada no best-seller da americana de ascendência chinesa Celeste Ng. Sua atuação é tão ambígua quanto sua personagem pede. Ela nunca deixa o espectador sacar exatamente o que Mia está pensando, e isso dá uma profundidade e imprevisibilidade muito interessante.
Witherspoon, por sua vez, não foge muito de um tipo de papel que ela acabou se especializando, o da mãe controladora e perfeccionista que desconta suas frustrações mantendo tudo a sua volta sob o seu controle. Uma “cidadã de bem” que não se dá conta do quanto é tóxica. Porém, mesmo não surpreendendo, ela encara esse tipo de personagem como ninguém.
Na trama, a artista Mia Warren (Washington), uma mulher negra que vive uma vida itinerante ao lado de sua filha adolescente Pearl (Lexi Underwood), chega à cidade de Shaker, na década de 1990, uma comunidade abastada no interior de Ohio, com pretensões de passar um tempo por lá trabalhando e fazendo sua arte.
Elas logo conseguem alugar uma casa que pertence à família Richardson e ganham a simpatia e o apoio de Elena (Witherspoon), uma dona de casa que trabalha meio período no jornal local e é casada com o advogado Bill (Joshua Jackson), com quem tem 4 filhos, o bobão Jordan Elsass, a patricinha Lexie (Jade Pettyjohn), o sensível Moody (Gavin Lewis) e a rebelde Izzy (Megan Stott).
Não demora muito para Pearl e Moddy se tornarem amigos inseparáveis, colocando Elena ainda mais no caminho de Mia, mesmo que ela não tenha lá muita simpatia por ele. E essa relação ficará ainda mais complicada quando Elena oferece uma vaga de empregada para Mia em sua casa.
Com o passar dos episódios, vamos conhecendo o passado das duas, e entendendo suas motivações, paixões e esqueletos escondidos no armário, o que dá ainda mais densidade a essa relação cheia de culpa e ressentimento.
É claro que há muito mais acontecendo à volta de Elena e Mia, como a relação de seus filhos e a aproximação de Mia com uma colega de trabalho, Bebe Chow, uma imigrante chinesa que, desesperada com a vida miserável que leva nos EUA, abandona sua filha. No entanto, todas as ramificações dessa história têm uma questão em comum: o privilégio branco. De como aos brancos tudo é garantido, e aos outros, no caso negros e asiáticos, tudo deve ser conquistado à força.
A história às vezes se perde nessa rede tão extensa de histórias paralelas e cai na tentação da busca por uma virada esperta que não precisava acontecer, mas há pequenos momentos brilhantes em Little Fires Everywhere, diálogos e situações que conseguem expressar com feliz (e angustiante) precisão esse estado de espírito de injustiça protocolar. De uma opressão que de tão banal se transformou em um destino imutável. Pequenas chamas que queimam as bases de uma sociedade que deveria ser igualitária, mas nunca foi.