A chegada de um grande grupo de migrantes a um território traz consigo um contingente de capacidades, potencialidades e desafios. Esta é a premissa do “Desenvolve! Integrando territórios”, metodologia elaborada em sua versão piloto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em Boa Vista (RR).
Pensado a partir de um conjunto multimídia de plataformas conectadas entre si, o projeto tem por objetivo elaborar planos e estabelecer redes para o desenvolvimento local.
Isso é feito considerando as necessidades e capacidades daqueles que migram, assim como os diferentes problemas e o potencial do território.
A iniciativa é liderada pelo PNUD, em parceria com o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (CIEDS); com a Organização Internacional para as Migrações (OIM); e com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).
O “Desenvolve!” é composto de um jogo de tabuleiro, uma plataforma virtual, um aplicativo de mapeamento de capacidades e métodos de dinamização do território.
A proposta foi construída em sua versão piloto a partir de eventos que tiveram a participação de diferentes atores sociais de Boa Vista.
“Acreditamos que a colaboração entre setores e a população é o caminho para potencializar ativos de um território em prol do desenvolvimento de todos que ali habitam”, afirma a gerente de projetos do PNUD, Pollyana Miguel.
Conceitos
O método “Desenvolve!” foi criado com base nos conceitos de desenvolvimento local e territorialização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Ambos têm objetivos similares: a implementação de ações voltadas às diferentes dimensões do desenvolvimento, respeitando as necessidades de cada lugar.
“Entender as características de um local antes de implementar uma ação é fundamental para que os ganhos do desenvolvimento sejam uma realidade para todos”, afirma Pollyana.
A partir dos elementos centrais do desenvolvimento humano – o foco nas pessoas e a geração de capacidades e oportunidades –, e de estudos e diagnósticos dos desafios enfrentados nos territórios e pelas populações em situação de migração, foram selecionadas quatro dimensões como pilares da metodologia: inclusão, produtividade, resiliência e governança efetiva.
Sabendo que desafios complexos de gestão exigem soluções bem fundamentadas e direcionadas às reais demandas da população, o projeto prevê diferentes instâncias de participação social e de gerenciamento de dados.
Kit de ferramentas
Para promover a reflexão sobre desafios e capacidades dos territórios, foi criado o jogo de tabuleiro do Desenvolve!.
Inspirado nos jogos RPG (Role-Playing Game ou, em tradução livre, jogo de interpretação de papéis) e nos gamebooks, a “brincadeira” articula a história de vida de personagens de um território imaginário com os desafios relacionados ao crescimento deste local.
É um convite para que “pensar o território” seja algo lúdico e feito em conjunto – o jogo fica melhor quanto mais diferentes forem as pessoas envolvidas em uma mesma partida.
As missões de cada jogador são construídas a partir dos eixos da metodologia (inclusão, produtividade e resiliência e governança efetiva) e envolvem dinâmicas de cooperação, trocas culturais e construção coletiva para objetivos comuns, de modo que não haja um único vencedor.
“Com um território crescendo de forma inclusiva, sustentável, com instituições fortes, infraestrutura resiliente e aumento de produtividade, todos ganham”, explica Pollyana.
Na versão piloto da metodologia Desenvolve!, em Boa Vista, o jogo foi utilizado como forma de atrair a comunidade para o uso da plataforma e do aplicativo de mesmo nome, e como introdução para a participação da população e de gestores públicos nas oficinas de construção coletiva de iniciativas de desenvolvimento local.
As plataformas virtuais do projeto foram pensadas para que cidadãos e gestores possam mapear e priorizar os problemas e capacidades mais relevantes de sua região.
A partir da inserção de dados (feita por parte dos gestores públicos, no caso da plataforma, e pela comunidade, no caso do app) as ferramentas ajudam a traçar rotas de capacidades reais – ou seja, já disponíveis – e ideais, que são aquelas que atenderiam às demandas de determinado local.
A finalidade destas rotas é subsidiar análises do território, por parte de cidadãos e daqueles que pensam políticas e iniciativas para o território.
Oficinas
Dois eventos marcaram as atividades realizadas por PNUD, CIEDS, OIM e ENAP em Boa Vista: uma oficina de Ideação Coletiva realizada em novembro, para construção de ações multisetoriais; e uma em dezembro com gestores municipais visando a consolidação das ações desenvolvimento local.
O primeiro encontro reuniu representantes de governo do estado, gestão municipal, membros de ONGs, cooperativas, lideranças jovens e migrantes, universidades e sociedade civil para jogar uma partida de Desenvolve!, seguida de uma sequência de atividades para pensar soluções para problemas da cidade em grupos.
Para a assessora local do projeto, Anna Clara Monjardim, responsável pela organização e mobilização dos convidados junto à equipe do CIEDS, “mobilizar participantes tão diferentes entre si foi um desafio diante da proposta de reunir pessoas de setores com vários interesses para dialogarem e construírem propostas conjuntas em prol do desenvolvimento”.
Por meio de metodologias como design thinking e gamificação, a oficina foi liderada pelo CIEDS e dividiu os migrantes em grupos para discutir questões identificadas como problemáticas por eles mesmos: entre elas, o bullying nas escolas, a violência de gênero, a falta de conhecimento dos cidadãos sobre gestão pública e a necessidade de capacitação dos jovens profissionais.
“A proposta é permitir que pessoas de várias organizações e origens possam dialogar com igualdade, transferindo diferentes formas de conhecimento”, completa Anna Clara.
A aplicação do jogo Desenvolve! na abertura da Ideação Coletiva visou apoiar a compreensão de conceitos como desenvolvimento humano, inclusão, produtividade de forma que os participantes possam identificar e mapear os problemas locais, suas causas e consequências.
Identificados os problemas, os participantes foram reunidos em grupos para um processo de amadurecimento dos projetos e planejamento de uma iniciativa pensada para ajudar a solucionar o problema levantado pelo grupo. Ao final das atividades, alguns projetos foram escolhidos para terem suas iniciativas financiadas e executadas.
Para a líder da cooperativa de costureiras COOFECS, Maria dos Santos, o evento permitiu a conexão entre participantes com perfis distintos.
“Me senti grata, pois nunca havia feito um atividade em grupo desta forma, foi uma nova oportunidade”, afirma.
“Fizemos um bom trabalho, foi suado; o mais difícil é fazer o planejamento de imediato, colocar no papel tudo aquilo que precisamos. Aqui eu ganhei novas amizades com pessoas que não conhecia, uma parceria na qual vamos juntas até o fim”, diz.
“A metodologia foi capaz de integrar o coletivo”, completa a líder do Núcleo de Mulheres de Roraima, Andrea Vasconcelos.
Os dados, soluções e capacidades levantados durante a Ideação Coletiva foram compartilhados com os gestores municipais na oficina realizada no dia 9 de dezembro.
Os gestores foram convidados a pensar, em grupos que reuniram secretários e técnicos de diferentes áreas, soluções para estas questões capazes de compor um plano de desenvolvimento local, sempre considerando aspectos relativos ao crescimento da cidade, considerando o intenso fluxo migratório.
“Conseguimos planejar de forma intersetorial: reunidos com colegas de diferentes secretarias é possível ter visões diversas da realidade do município para, em seguida, colocar as ideias no papel e estabelecer diretrizes e objetivos”, afirma o técnico da Secretaria de Educação de Boa Vista (SMEC), Alexandre Pereira.
Migração: desafios e oportunidades para o desenvolvimento
O deslocamento de muitas pessoas em direção a um território pode causar impactos que demandam planejamento para gerir os desafios que se apresentam.
Ao mesmo tempo, os fluxos migratórios podem gerar inúmeras oportunidades de transformação positiva e de desenvolvimento do território.
Por isso, a metodologia criada tem a premissa de que não há uma única forma de gerar desenvolvimento: é preciso se adaptar às realidades, tanto do local, como do fluxo migratório, contribuindo da melhor forma para avançar. Para isso, é necessário que se conheça tanto as localidades como os fluxos migratórios ali presentes.
Esta forma de pensar o desenvolvimento e a migração está alinhada aos objetivos da Agenda 2030. Entre eles, a meta 10.7 (facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e responsável das pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas de migração planejadas e bem geridas), que integra o rol de metas do objetivo 10 (reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles), é a que se relaciona de forma mais contundente com a temática.
Além desse, outros objetivos, ainda que não expressos de forma direta, têm uma grande relação com o tema: como os objetivos 8 (promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos) e 16 (promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis).