O governo do estado do Rio de Janeiro está sendo questionado em diferentes instâncias sobre a inconstitucionalidade na criação de escolas cívico-militares. Apesar de o ano letivo já ter começado, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) ainda não votou o projeto de lei do governador Wilson Witzel (PSC) que cria 11 instituições militares de educação, ecoando no estado uma das propostas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Uma Nota Técnica do Ministério Público do Rio (MP-RJ), elaborada pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação (CAO), menciona “usurpação de funções próprias dos profissionais da educação, inovação nas funções conferidas às forças policiais, interferência na relação ensino-aprendizagem e violação à garantia do direito à educação”.
Presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativo do Rio (Alerj), o deputado estadual Flávio Serafini (Psol) disse, em entrevista ao Brasil de Fato, que parlamentares da oposição estão fechando análise do projeto de lei para uma nova representação no MP-RJ. Ele questiona o fato de o governo estar colocando em prática uma proposta ainda não aprovada pelo Legislativo.
“A proposta tem a gravidade de querer impor na rede pública, que tem que ser laica e civil, uma visão autoritária que coloca restrições aos estudantes e que contraria a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma criança que tenha que abrir mão de uma identidade para seguir um determinado corte de cabelo, isso não tem nada a ver com prática pedagógica, mas com práticas militares”, criticou o parlamentar.
A censura também avança sobre um direito garantido na Constituição, que é o de estudantes poderem se manifestar politicamente. Em reportagem no Blog do Berta, o jornalista Ruben Berta informou que policiais e bombeiros que atuarão nas escolas não poderão “consentir manifestações de caráter político-partidário”, que inviabiliza, por exemplo, a constituição de grêmios estudantis nas escolas.
Ação civil
O Ministério Público também ajuizou uma ação civil pública determinando que o governo do estado suspenda o processo de seleção de alunos no Colégio Militar de Campo Grande, na zona oeste do Rio, por conta de violações a princípios constitucionais. Segundo o MP, as leis estaduais ampliam indevidamente o papel das polícias militares e violam a competência da União para legislar sobre “diretrizes e bases da Educação”.
“Além disso, na unidade os cargos de direção, magistério e administração são preenchidos, exclusivamente, por elementos do quadro da Polícia Militar – o que viola artigos constitucionais que asseguram autonomia pedagógica e administrativa às unidades escolares públicas de educação básica”, afirma trecho da nota do Ministério Público, que pede multa de R$ 1 milhão caso Witzel autorize novos processos admissionais ou seletivos.
Para o presidente da Comissão de Educação da Alerj, a escola de Campo Grande segue um modelo antigo, de funcionar com acesso privilegiado a apenas uma categoria da população. Na ação civil, o MP ressalta que apenas 10% das vagas é destinada ao público externo apesar de a unidade escolar funcionar integralmente com orçamento público, “sem haver qualquer base constitucional para tanto”.
“É uma escola corporativa e nós questionamos a ideia de diferentes setores do serviço público fazerem suas escolas. Essa concepção foi superada no serviço público, pouquíssimas categorias têm esse tipo de política”, afirmou Serafini.
No caso específico da escola de Campo Grande, o Brasil de Fato questionou a Secretaria de Estado de Polícia Militar, responsável pela escola, mas até o fechamento da reportagem não obteve resposta.
Disputa
Apesar de se harmonizar às políticas de Estado do governo federal, o projeto de lei de Witzel é uma tentativa de esvaziar a proposta de Bolsonaro, via Ministério da Educação, para criar escolas militares no país. Filho de Bolsonaro e deputado estadual, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse, nas redes sociais, que se trata de “vaidade”. Witzel e Bolsonaro travam uma batalha desde o ano passado com vistas às eleições presidenciais de 2022.