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Nilo eterno, ainda mais eterno

Fonte http://feedproxy.google.com/~r/lablogatorios/~3/SIOaNdjpdNY/

Uma equipe internacional de geofísicos descobriu que ele pode ser cinco vezes mais velho do que o esperado, graças a um rio de magma que corre por baixo de seu curso.

Grande, antigo, eterno — são adjetivos bastante adequados para descrever o Rio Nilo. Embora suas fontes tenham sido encontradas nos grandes lagos da África oriental, um mistério permanece: como um rio tão longo e antigo mantém um curso tão regular. Embora pareçam bastante fixo, os rios costumam mudar de curso ao longo das eras. Mudanças climáticas e acidentes geológicos podem mudar completamente a configuração e mesmo o sentido do fluxo de uma via fluvial.

O Mississípi já foi abalado por terremotos, o Amazonas teve seu curso revertido com a elevação dos Andes, trocando o Pacífico pelo Atlântico, o Ganges está sujeito aos avanços e recuos das geleiras do Himalaia. O Nilo, por sua vez, parece tão imutável e eterno quanto sempre foi na mitologia egípcia. Por quê?

Sempre seguindo rumo ao norte, o Nilo nunca se desviou do seu curso e sua constância foi fundamental para torná-lo cenário do surgimento de uma das mais antigas e duradouras civilizações humanas. Segundo uma pesquisa liderada por cientistas da Universidade do Texas (UT), essa imutabilidade pode ter raízes mais profundas, tanto no tempo quanto no espaço.

Atualmente, estima-se que o Nilo exista há apenas uns 6 milhões de anos. No entanto, Claudio Faccenna, professor da Escola de Geociências da UT, e seus colaboradores das Universidades da Flórida, de Quebec (Canadá), Milano-Bicocca (Itália) e Hebraica (Israel) consideram que o Nilo é ainda mais antigo e estimam que sua idade chegaria aos 30 milhões de anos. O estudo contou com apoio da NASA e foi bancado pelo Ministério da Educação, Universidades e Pesquisa da Itália.

Das terras altas da Etiópia às profundezas do Mediterrâneo: comparação do tipo e volume de sedimentos erodidos pelo Nilo desde sua fonte permite estimar uma data de nascimento. [Fig. 1A do estudo em Referência]

Das terras altas da Etiópia às profundezas do Mediterrâneo: comparação do tipo e volume de sedimentos erodidos pelo Nilo Azul desde sua fonte permite estimar uma data de nascimento. [Fig. 1A do estudo em Referência]

Para traçar a história geológica do Nilo, os pesquisadores compararam antigas rochas vulcânicas dos planaltos da Etiópia com os enormes depósitos de sedimento acumulados no delta do Nilo. Thorsten Becker, colega de Faccena na UT, lembrou que a origem do Platô Etíope era conhecida: as terras altas daquela região começaram a se elevar há cerca de 30 milhões de anos. A estabilidade do Nilo, portanto, estaria ligada à geologia de seu berço.

Levando em conta os dados das coletas geológicas e as evidências da crescente elevação do Planalto Etíope, Faccenna et. al. realizaram uma simulação computacional para buscar o surgimento do Nilo e alguma possível alteração pré-histórica em seu curso. Os resultados, publicados na Nature Geoscience, confirmam a hipótese de uma origem antiga e de pouca ou nenhuma alteração no leito do Nilo.

Sabe-se que o Planalto Etíope foi soerguido por estar sobre uma uma zona convectiva: o magma aquecido sobe mais ou menos na zona equatorial e vai sendo resfriado até descer sob o Mediterrâneo. Há 40 milhões de anos, segundo as simulações, já havia uma região serrana na Etiópia central, mas ela tinha apenas uns 700 m e nenhum rio de grande porte.

Devagar, devagarinho: ao longo de milhões de anos a região da atual Etiópia tem sido elevada por uma corrente magmática.

Devagar, devagarinho: ao longo de milhões de anos a região da atual Etiópia tem sido elevada por uma corrente magmática. À esquerda, a configuração atual, com o foco do levantamento próximo do Equador. À direita, o estágio inicial, há 40 milhões de anos. Note a depressão existente na “Grande Curva” e o Rift de Sirte, onde poderia ter passado um possível curso ancestral do Nilo. [Figura 2A do estudo em Referência, com fronteiras e cursos d’água atuais]

Entre 30 e 20 milhões de anos atrás essa área, junto com a Placa Arábica, começa a ser elevada — e é nessa época que surgem indícios erosivos de um rio no lugar do Nilo. A elevação simultânea da Placa Arábica impediu que o curso se voltasse para leste, com uma foz no Mar Vermelho. Mais recentemente, a zona de elevação está mais ao sul da Placa Africana, próxima da zona equatorial e dos grandes lagos que são a fonte do Nilo.

Lenta, porém constante, essa elevação cria uma espécie de plano inclinado entre o Planalto Etíope e o Mediterrâneo. Graças a isso, o Nilo segue sempre o mesmo curso. Não fosse essa influência geomorfológica, o rio eterno já teria se desviado há muito para uma região mais a oeste, e possivelmente desaguaria no Golfo de Sirte (Líbia), o que poderia ter tido um profundo impacto na História da Humanidade.

A simulação realizada por Faccenna e seus colegas mostrou até os motivos por trás da formação da chamada Grande Curva, que ocorre no norte do Sudão. Esse trecho sinuoso do Nilo, com algumas cataratas, foi influenciado pelo surgimento de uma elevação magmática secundária, predominante no sentido leste-oeste em vez de norte-sul. Assim, o poderoso Nilo segue, acima da crosta, basicamente o mesmo trajeto que um rio de magma nas profundezas do planeta.

Embora seja bastante precisa, a pesquisa recém-publicada tem lá suas limitações. A conclusão de que o curso do Nilo tem sido basicamente o mesmo há milhões de anos não leva em conta variáveis como alterações climáticas na região (cujos dados ainda são bastante escassos) e as variações de nível do mar e salinidade do Mediterrâneo, que podem ter apagado uma possível foz alternativa mais a oeste. Ainda assim, Faccenna e sua equipe pretendem replicar sua metodologia em outros rios de longo curso notáveis pela estabilidade, como o Congo (África) e o Yang-tsé (Rio Amarelo, China).

Referência

rb2_large_gray25Claudio Faccenna et. al. Role of dynamic topography in sustaining the Nile River over 30 million years [O papel da topografia dinâmica na sustentação do Rio Nilo durante 30 milhões de anos]. Nature Geoscience. Publicado online em 11/11/19.

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