Fonte https://www.huffpostbrasil.com/entry/o-escandalo-filme_br_5e1f7089c5b674e44b91bed4
Algo de muito estranho acontece em O Escândalo, que estreia no Brasil nesta quinta (16). Como uma música extremamente brega que seu cérebro te diz o tempo todo que é uma porcaria descartável, mas que seu coração te manda ouvir repetidas vezes, sem parar. É como um daqueles vídeos de gente espremendo espinhas que as pessoas não conseguem parar de ver, mesmo achando aquilo tudo muito nojento.
Talvez seja mesmo essa a intenção de Charles Randolph e Jay Roach. Algo esperado quando se trata do roteirista que convenceu o mundo inteiro de que a crise imobiliária americana de 2008 dava um ótimo material para uma comédia em A Grande Aposta (2015) e do diretor que ficou conhecido pelos filmes da franquia Austin Powers.
A dupla transforma um escândalo de assédio sexual que derrubou, em 2016, o então todo poderoso executivo da Fox News em entretenimento apelativo Roger Ailes. No entanto, é exatamente isso que o próprio canal – baseado nas ideias de Ailes – fez com o jornalismo.
Com jeitão de telefilme e alguns esquetes explicativos bem ao estilo A Grande Aposta que atraem e repelem ao mesmo tempo, O Escândalo consegue se equilibrar em uma perigosa corda bamba entre a denúncia sobre uma questão tão importante (e séria) como o assédio e o mau gosto.
O que equilibra tão bem esses dois lados contraditórios são as ótimas atuações de seu trio de protagonistas – Nicole Kidman, Charlize Theron e Margot Robbie – e do antagonista interpretado pelo sempre ótimo (e pouco reconhecido) John Lithgow, mesmo atrapalhado por quilos de maquiagem.
No entanto, por mais que Kidman interprete a mulher que iniciou o processo contra Ailes, o foco do filme recai mais sobre Theron e Robbie. A primeira interpreta uma pessoa real, a famosa âncora Megyn Kelly, enquanto o personagem de Robbie representa uma série de mulheres vítimas do ex-chefão da Fox News.
Megyn Kelly é uma figura emblemática para O Escândalo. Ela é a encarnação do espírito contraditório do filme. Enquanto ataca o então candidato a presidente Donald Trump pela forma desrespeitosa com que fala das mulheres, e virar uma pária para a direita radical que era seu próprio público, Kelly era capaz de comentários extremamente racistas, como achar que a prática do blackface é algo totalmente aceitável.
A própria Charlize admitiu, em uma entrevista, que interpretar a âncora foi mais desafiador do que interpretar a serial killer Aileen Wuornos em Monster – Desejo Assassino. Papel que, aliás, lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz em 2004.
Robbie, por sua vez, como faz aqui um personagem ficcional, pode ser melhor explorada na parte “séria” do filme, a da denúncia, passando por todas as etapas de descobrimento de uma jovem cheia de ambições profissionais que acaba se vendo presa em um ambiente tóxico onde uma profissional mulher só consegue o que quer fazendo o que os homens querem.
Para entender melhor o caso (e a trama), aqui vai um breve resumo: Em julho de 2016, Roger Ailes (Lithgow), então diretor-geral da cadeia Fox News, foi acusado de agressão sexual por uma ex-âncora da rede, Gretchen Carlson (Kidman).
A jornalista o processou alegando que seu ex-chefe a demitiu indevidamente depois de ela ter rechaçado anos de avanços sexuais não desejados. Ela disse que Ailes tirou-a do programa matutino Fox & Friends em 2013 e cortou seu salário porque ela se recusava a ter uma relação sexual com ele.
Depois de Carlson procurar outras vítimas de Ailes, uma das grandes estrelas do canal, Megyn Kelly (Theron), adere ao processo que culminou na demissão do executivo. Vale destacar que Ailes transformou a Fox News no canal de notícias a cabo mais visto nos Estados Unidos com ideias como, por exemplo, mostrar as pernas de suas apresentadoras.
Ou seja, O Escândalo quer denunciar, mas sem deixar de entreter, uma fórmula que deu muito certo para a Fox News e que pode ser bem traiçoeira. É verdade que o filme em muitas cenas arranca algumas risadas com uma ou outra boa sacada no roteiro, mas talvez faça gracinhas demais com um assunto que deveria ser levado com mais seriedade e, pior, pegue leve com gente como Ruppert Murdoch (fundador da rede), por exemplo. E mesmo assim o filme atrai o expectador, encantado não só pelas boas atuações, mas também pelo estranho fascínio kitch que emana a cada frame.