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O procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeou na segunda-feira (08) um profissional com visões pró-agronegócio para coordenar a Câmara do Ministério Público Federal (MPF) que atua na área de meio ambiente.</p>
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Juliano Baiocchi é subprocurador-geral da República, o terceiro e último grau da carreira dos membros do Ministério Público. Ele foi escolhido por Augusto Aras para comandar a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (4ª CCR) do MPF. Historicamente, a Câmara tem adotado posições firmes na pauta ambiental — e procuradores ouvidos pela BBC<strong> </strong>temem que esta posição possa agora mudar.</p>
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Baiocchi é conhecido entre seus colegas como um defensor de pautas ligadas ao agronegócio — mais até que ao ambientalismo. Questionado pela reportagem, ele defendeu que haja "composição e diálogo" entre a atividade econômica e a defesa do meio ambiente.</p>
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Em sua página no Facebook, o procurador se apresenta também como proprietário da Estância Villa-Verde, uma fazenda nos arredores de Brasília dedicada à criação de gado das raças Gir Leiteiro e Girolando. Segundo ele, trata-se de uma pequena propriedade, da qual ele é apenas arrendatário.</p>
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<img class="croppable" src="https://img.r7.com/images/augusto-aras-e-bolsonaro-09062020110951055?dimensions=660×360" title="Augusto Aras disse que o MPF deve atuar em conjunto com outros poderes para ‘destravar’ economia" alt="Augusto Aras disse que o MPF deve atuar em conjunto com outros poderes para ‘destravar’ economia" />
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<span class="legend_box ">Augusto Aras disse que o MPF deve atuar em conjunto com outros poderes para ‘destravar’ economia</span>
<span class="credit_box ">BBC NEWS BRASIL</span>
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A escolha de Juliano Baiocchi para a 4ª Câmara está alinhada ao discurso adotado por Augusto Aras na época de sua escolha para o cargo — o de que o MPF deve atuar em conjunto com outros poderes para "destravar" a economia e especialmente projetos de infraestrutura. Alguns desses projetos são às vezes contestados na Justiça por procuradores do Ministério Público Federal.</p>
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A decisão de Augusto Aras foi criticada por procuradores.</p>
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"A expectativa é a pior possível, e os colegas todos estão muito preocupados (…). A 4ª Câmara é o resultado que mais atemoriza, em termos de mudança de orientação. Há uma grande possibilidade de que tentem mudar a linha da instituição", diz um procurador, referindo-se ao fato de que na segunda-feira (08) também foram trocados os integrantes das outras seis câmaras temáticas do MPF.</p>
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"Ele é um procurador com uma atuação na área criminal. Como ele vai se comportar na ambiental, já não sei", diz outra procuradora, acrescentando que Baiocchi passou a atuar em processos criminais no Supremo Tribunal Federal (STF) por designação de Aras.</p>
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Na semana passada, coube a Baiocchi, por exemplo, pedir ao STF a condenação do deputado federal Paulinho da Força (SD-SP) em um caso envolvendo empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Paulinho acabou condenado pela 1ª Turma do STF, mas cabe recurso.</p>
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"Agora, o Aras colocou ele como coordenador (da área ambiental). Qual é a ligação dele com a área ambiental, não sei dizer", comenta a procuradora.</p>
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<strong>’Seria bom para o meio ambiente que o MPF fosse próximo do Agro'</strong></p>
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Procurado pela reportagem da BBC News Brasil, Baiocchi disse que encara com "bom humor" as críticas feitas por colegas.</p>
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"Se o MP fosse mais próximo do agronegócio acredito que seria bom para o meio ambiente. Estamos em uma fase em que a tutela dos direitos sociais (o meio ambiente equilibrado é um direito da sociedade) deveria passar muito mais por processos de composição e diálogo do que por uma rivalidade entre supostos defensores do passado e a realidade do presente", disse o procurador, por mensagem de texto.</p>
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Baiocchi disse também que sua ligação com o agronegócio é "apenas familiar". "Como mais da metade da população brasileira, somos netos de produtores rurais", disse.</p>
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"Sou apenas um arrendatário de uma chácara em uma região de granjas em Brasília, onde crio alguns bovinos e equinos para manter a atividade produtiva da terra, que tenho a posse há quase trinta anos. Eu vivo mesmo é do meu trabalho no MPF, desde 1989", disse ele à BBC News Brasil.</p>
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"Minha carreira no MPF foi dedicada à área criminal, que inclui os crimes federais contra o meio ambiente. Não quero citar nomes, mas foi num caso de minha atuação como Procurador Regional da República que ocorreu a condenação de um prefeito de capital, por crime ambiental", acrescentou Baiocchi.</p>
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Em 2012, uma ação penal movida por Baiocchi resultou na condenação do ex-prefeito de Palmas (TO), Raul Filho (PT), por obras irregulares em uma área de proteção ambiental.</p>
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Assim como os outros colegiados do tipo no MPF, a 4ª Câmara é composta por três titulares e três suplentes — em ambos os casos, dois deles são escolhidos pelo Conselho Superior do MPF (CSMPF), e um é indicado pelo procurador-geral da República. O PGR também escolhe o coordenador de cada Câmara.</p>
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Além de Juliano Baiocchi, escolhido por Aras, também integrarão a 4ª Câmara os procuradores Nicolao Dino — irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B) — e Julieta Elizabeth de Albuquerque. Estes dois últimos foram escolhidos pelo CSMPF. Ao contrário dos outros dois, Nicolao Dino já integrava o colegiado. Os mandatos são de dois anos.</p>
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A escolha de Julieta foi alvo de disputa no Conselho Superior do MPF, e o grupo quase reconduziu o procurador Nívio de Freitas, atual coordenador da 4ª Câmara. A procuradora é vista, dentro do órgão, como alguém mais próxima das posições de Juliano Baiocchi.</p>
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<strong>A polêmica do ‘projeto de lei da grilagem'</strong></p>
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Segundo os críticos de Baiocchi, um episódio recente mostra que sua chegada à 4ª CCR pode mudar as posições adotadas tradicionalmente pela Câmara.</p>
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No começo de março, o procurador participou de um seminário no Senado Federal, no qual defendeu a aplicação da MP 910/2019. Editada pelo governo no fim do ano passado e apelidada pelos críticos de "MP da grilagem", a medida provisória relaxava alguns critérios para a regularização de terras no país.</p>
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Segundo os críticos, a MP acabaria por incentivar a apropriação privada de terras públicas, e foi criticada em nota por vários órgãos do MPF — inclusive pela 4ª Câmara.</p>
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Na reunião do Senado, Baiocchi disse que a MP era importante para garantir a livre concorrência e a iniciativa privada. "É preciso reconhecer o direito à dignidade do produtor rural, sabendo que a intenção do governo é dar cumprimento à Constituição, que veda a intervenção indefinida no tempo do Estado na economia, retendo em poder da União as terras produtivas ocupadas pacificamente por produtores rurais de todo o país", disse.</p>
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No fim de maio, a MP perdeu a validade por não ter sido votada a tempo no Congresso Nacional. Foi substituída por um projeto de lei, que também não foi aprovado até agora.</p>
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Em fevereiro, a 4ª CCR publicou nota conjunta com outros colegiados do MPF, contra a medida provisória. Segundo a nota, a proposta acarretaria num "estímulo a novas ocupações (irregulares)", e teria vários pontos em desacordo com a Constituição.</p>
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Segundo a nota, a MP abria "a possibilidade de uma ocupação desenfreada das terras públicas federais. A ocupação, em larga escala, gera pressão legislativa por novas alterações nos marcos temporais e, logicamente, novos estímulos a ocupações. O estabelecimento deste ciclo acarreta o incremento do desmatamento e perda da biodiversidade (inerente ao processo de expansão das posses), bem como o aumento exponencial de conflitos fundiários".</p>
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Além da 4ª CCR, também lançaram notas contra a "MP da grilagem" a Força-Tarefa Amazônia do MPF; e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).</p>
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À reportagem da BBC News Brasil, Baiocchi disse que a MP não tratava em momento nenhum de direito ambiental — tudo que o texto diz sobre este assunto é que os produtores rurais deveriam cumprir as normas ambientais em vigor.</p>
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"Estudei e fui consultado pela 3ª Câmara do MPF sobre o alcance no Direito Fundiário da MP 910 e por isso fui convidado a comparecer a uma audiência pública no Senado Federal, sobre o texto legal, à época em discussão no Congresso", disse Baiocchi.</p>
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"O que eu observei na audiência foi que a MP 910 não dispunha em nenhum de seus artigos sobre direito ambiental, a não ser para reafirmar que os produtores rurais deveriam cumprir as normas em vigor para serem beneficiados pela desburocratização da regularização fundiária", disse ele à BBC News Brasil.</p>
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"Ou seja, eu via na Medida Provisória um ato de justiça em favor de pequenos produtores há meio século assentados no interior do Brasil e até em Brasília, para participar da conquista do lugar que o Brasil hoje ocupa na produção de alimentos, em um mundo com recursos e tecnologia limitados para o desafio de alimentar a população brasileira e de centenas de países", afirmou.</p>
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<strong>Para quê serve a Câmara de Meio Ambiente</strong></p>
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Além da 4ª Câmara, Augusto Aras e o Conselho Superior do Ministério Público também trocaram, na segunda-feira (08), os integrantes e os coordenadores das outras seis câmaras do MPF.</p>
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Cada um dos colegiados tem uma especialidade: a 5ª Câmara lida com processos que dizem respeito à corrupção; a 6ª trata dos direitos das populações indígenas e das comunidades tradicionais; a 7ª atua no controle externo da atividade das polícias e em temas do sistema prisional; e assim por diante.</p>
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Das funções das Câmaras, duas são consideradas as mais importantes.</p>
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Quando um procurador decide arquivar uma investigação, cabe ao colegiado dizer se está de acordo ou não com o arquivamento. As Câmaras também emitem pareceres sobre determinados assuntos recorrentes em sua área de atuação. Esse parecer pode ser seguido ou não pelos procuradores, que possuem independência funcional para atuar — no entanto, é um elemento que pesa na atuação dos profissionais.</p>
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Além disso, o colegiado também pode organizar debates e até instaurar procedimentos para apurar determinados assuntos.</p>
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No fim da semana passada, por exemplo, a 1ª Câmara (Direitos Sociais) instaurou um procedimento para apurar a exclusão de dados sobre a Covid-19 por parte do Ministério da Saúde.</p>
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Na avaliação de pessoas que acompanham de perto a política interna do MPF, Augusto Aras conseguiu que sua vontade prevalecesse nas escolhas para a maioria das Câmaras, na segunda. Nos próximos dias, a força de Aras dentro do MP será testada novamente na disputa pelo Conselho Superior do MPF.</p>
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