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Rei Louco, Rei Pouco [Parte II]

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Anthony William Hall jogou pro alto uma boa vida financeira e familiar para perseguir a miragem de ser Anthony I do Reino Unido. Milhares de fotos foram feitas durante sua campanha mirabolante, mas esta parece ser a única que sobreviveu.

Anthony William Hall jogou pro alto uma boa vida financeira e familiar para perseguir a miragem de ser Anthony I do Reino Unido. Milhares de fotos foram feitas durante sua campanha mirabolante, mas esta parece ser a única que sobreviveu.

Quem foi Anthony William Hall e por que ele passou a reclamar o trono britânico?

Por Romeo Vitelli, no Providentia. Tradução de Renato Pincelli. Continuação da Parte I.

Quando soube que George V nem se deu ao trabalho de responder à sua ordem imperial enviada em 1º. de fevereiro [de 1931], Anthony Hall ficou furioso. De sua casa em Hereford, ele mandou uma segunda carta ordenando ao rei que deixasse o país ou enfrentasse as consequências. Esta também foi ignorada, como seriam as demais oito cartas que se seguiram.

Ao perceber que o Rei George poderia nunca responder às sua exigências, o Rei Anthony decidiu dar um salto ao oferecer uma recepção num dos mais caros hotéis de Londres. Ali, com a avidez de um político, ele anunciou formal e publicamente sua campanha para ser rei. Em seguida, ele começou o que pode ser descrito como uma verdadeira turnê política. Além de frequentes comícios em Londres, ele passou a viajar de um canto a outro do Reino Unido, sempre aparecendo com uma casaca típica e com declarações do que faria assim que assumisse o Palácio de Buckingham.

Infelizmente para ele, o Rei Anthony nunca foi levado muito a sério em suas aparições públicas. Alvo frequente de zombarias, abusos verbais, frutas e verduras podres, ele também foi submetido a uma coroação de brincadeira em Oxford e atacado fisicamente em mais de uma ocasião — em uma delas, acabou passando uma noite no xadrez.

Enquanto isso sua esposa, Ethel, entrou com um pedido de divórcio, alegando abandono familiar (pelo visto, ela não estava particularmente interessada em virar Rainha). Hall defendeu-se sozinho e habilmente no tribunal, enfrentando uma acareação de seis horas com a esposa. Ainda assim, o juiz ficou do lado de Ethel, concedendo-lhe o divórcio por considerar Anthony um homem “tempestuoso, indisciplinado e [de] disposição errática”. Diante das palavras do juiz, Anthony diria aos repórteres: “Tenho uma visão primitiva do casamento e não reconheço o divórcio” — uma declaração irônica, dada sua suposta linhagem.

Com o casamento (ou divórcio) fora do caminho, Anthony Hall pode se dedicar à sua campanha para ser rei com mais entusiasmo do que nunca. O Manifesto Real Tudor que ele registrou no Royal College of Arms [órgão responsável pela heráldica e genealogia da nobreza britânica] em 1935 ganhou repercussão internacional. Além de reafirmar seu direito ao trono, ele descrevia naquele documento as mudanças que faria assim que se tornasse rei. Isso incluía a abolição de impostos como o de renda, as tarifas funerárias e as taxas municipais, nenhuma das quais estava em vigor nos tempos de Tudor e, segundo Hall, eram descaradamente ilegais.

Ele também prometia instituir um Ministério do Lazer, realizar piqueniques públicos no Castelo de Windsor regularmente, expandir Londres e zerar a Dívida Pública (que, na época, havia passado da cifra dos 7 bilhões de Libras). Não se explicava como ele faria tudo isso após abolir tantos impostos. Milhares de cópias do Manifesto foram distribuídas pelo país inteiro, às custas de Anthony, que buscava o máximo de leitores possível.

Quando poucos levaram o Manifesto a sério, Anthony decidiu mudar-se para uma mansão de três andares próxima de Finsbury Park, em Londres. Ele também contratou um joalheiro de Bond Street [rua do comércio de luxo londrino] para fazer uma coroa oficial e um cetro cerimonial. Anthony não se fez de rogado: a coroa era revestida de veludo e cravejada com milhares de pedras semi-preciosas e o cetro trazia a inscrição formal: “Anthony I, Rei da Inglaterra e Escócia, Príncipe de Gales” — se você estiver se perguntando, o joalheiro cobrou £20 mil para fabricar esses itens.

Vestido com suas regalias, incluindo um “manto de coroação”, o Rei Anthony posou para fotos, distribuindo milhares de cópias, sempre autografadas, aos mais diversos nobres, políticos, diplomatas, etc. Ele também bombardeava os gabinetes do Primeiro-Ministro e de qualquer político eleito para a Câmara dos Comuns com cartas formais onde delineava sua real reivindicação. Como todas as cartas eram escritas em pergaminho estampado com o brasão de armas dos Tudor, uma gráfica de Londres teve que re-estabelecer seu setor de fabricação de pergaminhos só para satisfazer o Rei Anthony.

Se Anthony Hall estivesse sozinho, o governo britânico poderia apenas ignorá-lo como um lunático. Entretanto, as reivindicações de Anthony estavam atraindo um crescente número de descontentes, gente que queria apenas criar confusão ou desejava obter o apoio do aspirante a monarca para suas próprias causas pessoais. Embora os números batessem recordes, a maioria do público que ia aos comícios do Rei Anthony saía de lá convencida de que ele era só um maluco mesmo.

Com a morte de George V em 1936, Anthony Hall tornou-se ainda mais pirado do que já era e mudou-se para uma mansão ainda maior, na qual instalou uma pequena prensa gráfica no porão. Não está claro como ele conseguiu, mas o Rei Anthony passou a usar a gráfica para imprimir seu próprio papel-moeda. Sua nota de 1 Libra era maior do que a emitida pelo Banco da Inglaterra e trazia sua assinatura como “Mestre da Casa da Moeda”. Essas notas seriam vendidas por um xelim cada em seus vários eventos — com a promessa de que seriam resgatadas pelo valor completo assim que ele se tornasse rei. Quando um tribunal de South End tentou multá-lo pela distribuição de dinheiro falso, ele declarou que confiscaria todos os bancos privados e os transformaria em filiais da Casa da Moeda tão logo chegasse ao poder.

Mas o que deu fim ao Rei Anthony foi sua tentativa de impedir a coroação do Rei George VI [1895-1952]. Quando suas cartas ao Arcebispo de Canterbury e ao Conde Marechal da Inglaterra [nobre responsável por organizar a cerimônia de coroação] foram ignoradas, ele lançou um desafio oficial ao Campeão do Rei [outro nobre que, nos tempos medievais, era responsável por duelar com qualquer um que mostrasse oposição à coroação de um rei]. Em desuso desde 1821, esse desafio poderia levá-lo a reclamar o trono caso superasse o Campeão num duelo formal de armas. [O cargo de Campeão do Rei ainda existe e está na mesma família há séculos, mas hoje ele atua apenas como o porta-bandeira durante a cerimônia de coroação.] No entanto, dois oficiais da Scotland Yard o convenceram a desistir do desafio e manter distância da cerimônia de coroação.

Nos anos seguintes, o suposto Rei Anthony apareceria nas manchetes com alegações cada vez mais mirabolantes. Em 1939, ele alegou ser o verdadeiro rei da Irlanda, pois o nome de solteira de sua mãe era “Eire” [nome irlandês da própria Irlanda]. Junto com sua reclamação ao trono da Alemanha (sério), essas e outras maluquices foram postas de lado com o início da II Guerra Mundial, quando Anthony foi alertado pelo Ministério do Interior que seria detido por qualquer atividade que pudesse perturbar a ordem pública. Assim, Anthony e sua pequena entourage se retiraram para uma casa em Herefordshire para aguardar o fim do conflito.

Isso não impediu que Anthony se metesse em mais encrencas. A casa onde se refugiou havia pertencido à sua mãe, mas sua irmã, Mary, entrou na justiça para expulsá-lo da propriedade. Apesar da ameaça de levar o caso até a Câmara dos Lordes, Anthony perdeu já na primeira instância e o auto-proclamado monarca recebeu uma ordem de despejo sem resistência. Ele e a irmã ainda brigavam pela casa quando Anthony William Hall, aspirante ao trono da Inglaterra, faleceu em 1947, aos 53 anos. Como nunca teve um filho e seus irmãos mais novos declinaram qualquer pretensão ao trono, sua campanha morreu com ele. O auto-proclamado rei acabou enterrado num lote da família perto de Little Dewchurch [uma paróquia minúscula de Herefordshire], sob uma lápide que trazia apenas a inscrição de seu nome: “Anthony Hall”.

Embora esteja longe de ter sido o único pretendente ao trono, Anthony William Hall foi sem dúvida o mais espalhafatoso. Sua suposta genealogia jamais foi comprovada por nenhum historiador sério e o consenso geral sobre a reivindicação de Hall é que tudo não passa de uma grande invenção. Mas o que teria levado um empresário bem-sucedido a jogar fora um casamento e um bom negócio para dedicar sua vida a uma fantasia? Pode ser fácil vê-lo apenas como um doente mental, mas ele não tinha nenhum outro sintoma para diagnosticar o que aconteceu com ele. No fim, ele foi apenas um homem cuja obsessão levou-o a perder a família e a fortuna — e nunca faltou gente assim no mundo.

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